Sentia-se agora tão inofensivo como quando no cartório aparava cautelosamente a sua pena de pato. Um grande cansaço entorpecia-o; e ali esperava, sobre o banco, numa inércia de todo o seu ser, pensando estupidamente que ia viver para uma enxovia em S. Francisco, dormir numa palhoça, comer da Misericórdia... Não tornaria a passear na alameda, não veria mais Amélia... A casita em que vivia seria alugada a outro... Quem tomaria conta do seu canário? Pobre animalzinho, ia morrer de fome, decerto... A não ser que a Eugênia, a vizinha, o recolhesse...
O Domingos de repente saiu do gabinete de sua excelência, e fechando vivamente a porta sobre si, em triunfo:
- Que lhes dizia eu? Composição! Arranjou-se tudo!
E para João Eduardo:
- Seu felizão! Parabéns! parabéns!
O Carlos pensou que aquele era o maior escândalo administrativo desde o tempo dos Cabrais! E ia retirar-se enojado (como no quadro clássico o Estóico que se afasta duma orgia Patrícia) quando o senhor administrador abriu a porta do seu gabinete. Todos se ergueram.
Sua excelência deu dois passos na repartição, e revestido de gravidade, destilando as palavras, com as lunetas cravadas no réu:
- O Sr, padre Amaro, que é um sacerdote todo caridade e bondade, veio-me expor... Enfim, veio-me suplicar que não desse mais andamento a este negócio... Sua senhoria com razão não quer ver o seu nome arrastado nos tribunais. Além disso, como sua senhoria disse muito bem, a religião, de que ele é... de que ele é, posso dizê-lo, a honra e o modelo, impõe- lhe o perdão da ofensa... Sua excelência reconhece que o ataque foi brutal, mas frustrado... Além disso parece que o senhor estava bêbedo...
Todos os olhos se fixaram em João Eduardo, que se fez escarlate. Aquilo pareceu-lhe nesse momento pior que a prisão.