Ao passar no largo, àquela hora, via sempre a Amparo à janela. Ultimamente mesmo julgara prudente contar-lhe em segredo a sua caridade com a Totó. A Amparo, mal a via, chamava-a; e debruçando-se toda na varanda:
- Então como vai a Totó?
- Lá vai.
- Já lê?
- Já soletra.
- E a oração a Nossa Senhora?
- Já a diz.
- Ai, que devoção a tua, filha!
Amélia baixava os olhos, modesta. E o Carlos, que estava também no segredo, deixava o balcão para vir à porta admirar Amélia.
- Vem da sua grande missão de caridade, hem? dizia, de olho arregalado, balanceando-se na ponta das chinelas.
- Estive um bocado com a pequena, a entretê-la...
- Grandioso! murmurava o Carlos. Um apostolado! Pois vá, minha santa menina, recados à mamã.
Voltava-se então para dentro, para o praticante:
- Veja o Sr. Augusto aquilo... Em lugar de passar o seu tempo, como as outras, em namoros, faz-se anjo da guarda! Passa a flor dos anos com uma entrevada! Veja o senhor se a filosofia, o materialismo, e essas porcarias são capazes de inspirar ações deste jaez... Só a religião, meu caro senhor! Eu queria que os Renans e essa cambada de filósofos vissem isto! Que eu, tenha o senhor em vista, admiro a filosofia, mas quando ela, por assim dizer, vai de mãos dadas com a religião... Sou homem de ciência e admiro um Newton, um Guizot... Mas (e grave o senhor estas palavras) se a filosofia se afasta da religião... (grave bem estas palavras) dentro de dez anos, Sr. Augusto, está a filosofia enterrada!
E continuava a mexer-se pela farmácia a passos lentos, de mãos atrás das costas, ruminando o fim da filosofia.