- Nós veremos, padre-mestre, replicou Amaro repoltreando-se e balouçando a perna, muito certo do seu prestígio devoto. Nós veremos... Hei-de-lhe eu falar... E quando lhe tiver contado umas lérias... Quando lhe tiver representado que é para ela um caso de consciência encobrir a pequena... Quando lhe lembrar que nas vésperas da morte é que se deve fazer alguma boa ação, para não se apresentar à porta do Paraíso com as mãos vazias... Nós veremos!
- Talvez, talvez, disse o cónego. A ocasião é boa, porque a pobre mana está fraquita do juízo e leva-se como uma criança.
Amaro ergueu-se, esfregando vivamente as mãos:
- Pois é, mãos à obra! É mãos à obra!
- E é necessário não perder tempo, porque o escândalo estala. Olhe que esta manhã, lá em casa, a besta do Libaninho pôs-se a gracejar com a rapariga, a dizer-lhe que tinha a cinta grossa...
- Oh, que patife! rugiu o pároco.
- Não, não seria por mal. Mas que a rapariga tem engrossado, é fato... Com esta atarantação da doença ninguém tem tido olhos para nada... Mas agora pode-se reparar... É sério, amigo, é sério!
* * *
Por isso, logo na manhã seguinte, Amaro foi, segundo a expressão do cónego, "dar a grande abordagem à mana".
Antes, porém, explicou embaixo no escritório ao padre-mestre o seu plano: primeiro, ia dizer a D. Josefa que o cónego estava na inteira ignorância do desastre da Ameliazinha, e que ele, Amaro, o sabia, não em segredo de confissão (nesse caso não o poderia revelar), mas pelas confidências secretas dos dois - de Amélia e do homem casado que a seduzira!... Do homem casado, sim!... Porque enfim era necessário provar à velha que havia a impossibilidade duma reparação legítima...
O cónego coçava a cabeça descontente:
- Isso não vai bem arranjado, disse ele. A mana sabe bem que não iam homens casados à Rua da Misericórdia.
- E o Artur Couceiro? exclamou Amaro, sem escrúpulo.