Mas a felicidade pachorrenta daquele ser obeso, ocupado em colecionar receitas de medicina caseira e em observar as perturbações fantásticas da sua digestão; os seus constantes louvores do doutor Godinho, dos pequenos e da senhora; as chalaças obsoletas que ele repetia havia quarenta anos e a inocente hilaridade, que elas lhe davam, impacientavam Amaro. Saía, enervado, pensando na sorte inimiga que o fizera tão diferente do Silvério. Aquilo era a felicidade por fim: por que não havia de ele ser também um bom padre caturra, com uma pequenina mania tirânica, parasita regalado duma família respeitável, tendo um destes sangues tranquilos que giram sob camadas de gordura, sem perigo de transbordar e de causar desgraças, como um riacho que corre por baixo duma montanha?...
Outras vezes ia ao colega Natário, cuja fratura, mal tratada ao princípio, o retinha ainda na cama com o aparelho na perna. Mas aí, enjoava-o o aspecto do quarto - impregnado dum cheiro de arnica e de suor, com uma profusão de trapos ensopados em malgas vidradas, e esquadrões de garrafas sobre a cômoda entre fileiras de santos. Natário, mal o via aparecer, rompia em queixas: as cavalgaduras dos médicos! A sua má sorte habitual! As torturas a que o forçavam! O atraso em que estava a medicina neste maldito país!... E ia salpicando o soalho negro de expectorações e de pontas de cigarro. Desde que estava doente, a saúde dos outros, sobretudo dos amigos, indignava-o como uma ofensa pessoal.
- E você sempre rijo, hem? Pudera! - murmurava com rancor.
E pensar que aquela besta do Brito nunca lhe doera a cabeça! E que o alarve do abade se gabava de nunca ter estado na cama depois das sete da manhã! Animais!
Amaro então dava-lhe as novidades: alguma carta que recebera do cónego, da Vieira, as melhoras da D. Josefa...