O Crime do Padre Amaro - Cap. 22: Capítulo 22 Pág. 415 / 478

Ele mesmo cada dia a ia ajudando naquela repurificação da alma, com uma solicitude de enfermeiro: fora ele que lhe marcara, como um ensaiador num teatro, a atitude que devia ter na primeira visita de Amaro à Ricoça; era ele que chegava, com alguma breve palavra reconfortante como um cordial, se a via vacilar naquela lenta reconquista da virtude; se a noite fora agitada das lembranças cálidas dos prazeres passados, era durante toda a manhã uma boa palestra, sem tom pedagógico, em que lhe mostrava familiarmente que o Céu lhe daria alegrias maiores que o quarto enxovalhado do sineiro. Chegara, com uma sutileza de teólogo, a demonstrar-lhe que no amor do pároco não havia senão brutalidade e furor bestial; que, doce como era o amor do homem, o amor do padre só podia ser uma explosão momentânea do desejo comprimido; quando tinham começado as cartas do pároco, analisara-lhas frase a frase, revelando-lhe o que elas continham de hipocrisia, de egoísmo, de retórica, e de desejo torpe...

Ia-a assim lentamente desgostando do pároco. Mas não a desgostava do amor legítimo, purificado pelo sacramento; conhecia bem que ela era toda de carne e de desejos, e que lançá-la violentamente no misticismo seria apenas torcer-lhe um momento o instinto natural e não criar-lhe uma paz duradoura. Não tentava arrancá-la bruscamente à realidade humana; ele não a queria para freira; só desejava que aquela força amante que sentia nela servisse à alegria dum esposo e à útil harmonia duma família, e não se gastasse erradamente em concubinagens casuais... No fundo o bom Ferrão preferiria decerto na sua alma de sacerdote que a rapariga se separasse absolutamente de todos os interesses egoístas do amor individual, e se desse, como irmã de caridade, como enfermeira dum recolhimento, ao amor mais largo de toda a humanidade.





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