O Crime do Padre Amaro - Cap. 22: Capítulo 22 Pág. 417 / 478

O pároco estivera ao princípio na sua alma com o prestígio dum ídolo coberto de ouro; mas tantas vezes, desde a sua gravidez, sacudira, nas horas de terror religioso ou de arrependimento histérico, aquele ídolo, que todo o dourado lhe ficara nas mãos, e a forma trivial e escura que aparecia por baixo já a não deslumbrava; viu por isso o abade derrubar-lho inteiramente, sem chorar e sem lutar. Se ainda pensava em Amaro, é porque não podia deixar de pensar na casa do sineiro; mas o que a tentava ainda era o prazer e não o pároco.

E com a sua natureza de boa rapariga tinha um reconhecimento sincero pelo abade. Como dissera a Amaro naquela tarde, "devia-lhe tudo". Era o que sentia agora também pelo doutor Gouveia, que vinha regularmente ver a velha de dois em dois dias. Eram os seus bons amigos, como dois papás que o Céu lhe mandava - um que lhe prometia a saúde, outro a graça.

Refugiada naquelas duas proteções, gozou uma paz adorável nas últimas semanas de Outubro. Os dias iam muito serenos e muito tépidos. Era bom estar no terraço, pelas tardes, naquela serenidade outonal dos campos. O doutor Gouveia às vezes encontrava-se com o abade Ferrão; ambos se estimavam; depois da visita à velha, iam para o terraço, e começavam logo as suas eternas questões sobre Religião e sobre Moral.

Amélia, com a costura caída nos joelhos, sentindo os seus dois amigos ao pé, aqueles dois colossos de ciência e de santidade, abandonava-se ao encanto da hora suave, olhando a quinta onde as árvores já empalideciam. Pensava no futuro; ele aparecia-lhe agora fácil e seguro; era forte, e o parto, com a presença do doutor, seria apenas uma hora de dores; depois, livre daquela complicação, voltaria para a cidade e para a mamã... E então uma outra esperança, que nascera das conversas constantes do abade sobre João Eduardo, vinha bailar-lhe na imaginação.





Os capítulos deste livro