O Chiado lamentava com indignação aquela ruína de Paris. Recordavam-se com exclamações os edifícios ardidos, o Hotel de Ville, "tão bonito", a Rua Royale, "aquela riqueza". Havia indivíduos tão furiosos com o incêndio das Tulherias como se fosse uma propriedade sua; os que tinham estado em Paris um ou dois meses abriam-se em invectivas, arrogando-se uma participação de parisienses na riqueza da cidade, escandalizados por a insurreição não ter respeitado os monumentos em que eles tinham posto os seus olhos.
- Vejam vocês! exclamava um sujeito gordo. O palácio da Legião de Honra destruído! Ainda não há um mês que eu lá estive com minha mulher... Que infâmia! Que patifaria!
Mas espalhara-se que o ministério recebera outro telegrama mais desolador: toda a linha do boulevard da Bastilha à Madalena ardia, e ainda a Praça da Concórdia, e as avenidas dos Campos Elísios até ao Arco do Triunfo. E assim tinha a revolta arrasado, numa demência, todo aquele sistema de restaurantes, cafés-concertos, bailes públicos, casas de jogo e ninhos de prostitutas! Então houve por todo o Largo do Loreto até ao Magalhães um estremecimento de furor. Tinham pois as chamas aniquilado toda aquela centralização tão cómoda da patuscada! Oh que infâmia! O mundo acabava! Onde se comeria melhor que em Paris? Onde se encontrariam mulheres mais experientes? Onde se tornaria a ver aquele desfilar prodigioso duma volta do Bois, nos dias ásperos e secos de Inverno, quando as vitórias das cocotes resplandeciam ao pé dos fáetons dos agentes da Bolsa? Que abominação! Esqueciam-se as bibliotecas e os museus: mas a saudade era sincera pela destruição dos cafés e pelo incêndio dos lupanares. Era o fim de Paris, era o fim da França!