As criadas, por escrúpulo, eram examinadas em doutrina antes de serem aceitas. Ali muito tempo fizeram-se as reputações: se se dizia de um homem: não é temente a Deus, havia o dever de o desacreditar santamente. As nomeações de sineiros, coveiros, serventes de sacristia arranjavam-se ali por intrigas sutis e palavras piedosas. Tinham tomado um certo vestuário entre o preto e o roxo; toda a casa cheirava a cera e a incenso; e a S. Joaneira, mesmo, monopolizara o comércio das hóstias.
Assim passaram anos. Pouco a pouco, porém, o grupo devoto dispersou-se: a ligação do cônego Dias e da S. Joaneira, muito comentada, afastou os padres do cabido; o novo chantre morrera de apoplexia também - como era de tradição naquela diocese, fatal aos chantres; e já não eram divertidos os quinos das sextas-feiras. Amélia mudara muito; crescera: fizera-se uma bela moça de vinte e dois anos, de olhar aveludado, beiços muito frescos - e achava a sua paixão pelo Agostinho uma "tontice de criança". A sua devoção subsistia, mas alterada: o que amava agora na religião e na igreja era o aparato, a festa - as belas missas cantadas ao órgão, as capas recamadas de ouro, reluzindo entre os tocheiros, o altar-mor na glória das flores cheirosas, o roçar das correntes dos incensadores de prata, os uníssonos que rompem briosamente no coro das aleluias. Tomava a Sé como a sua Ópera: Deus era o seu luxo. Nos domingos de missa gostava de se vestir, de se perfumar com água-de-colônia, de se ir aninhar sobre o tapete do altar-mor, sorrindo ao padre Brito ou ao cônego Saldanha. Mas em certos dias, como dizia a mãe, "murchava"; voltavam então os abatimentos de outrora, que a amarelavam, lhe punham duas rugas velhas ao canto dos lábios: tinha nessas ocasiões horas duma vaga saudade parva e mórbida, em que só a consolava cantar pela casa o Santíssimo ou as notas lúgubres do toque da Agonia.