O coadjutor escutava com a taciturnidade da inveja.
- Eu bem sei, disse o cônego parando de novo e tirando lentamente as palavras, eu bem sei que por ai rosnam, rosnam... Pois é uma grandíssima calúnia! O que é, é que eu tenho muito apego àquela gente. Já o tinha em tempo do marido. Você bem o sabe, Mendes.
O coadjutor teve um gesto afirmativo.
- A S. Joaneira é uma pessoa de bem! olhe que é uma pessoa de bem, Mendes! exclamava o cônego batendo no chão fortemente com a ponteira do guarda. sol.
- As línguas do mundo são venenosas, senhor cônego, disse o coadjutor com uma voz chorosa. E depois dum silêncio, acrescentou baixo: - Mas aquilo a vossa senhoria deve-lhe sair caro!
- Pois aí está, meu amigo! Imagine você que desde que o secretário-geral se foi embora a pobre da mulher tem tido a casa vazia: eu é que tenho dado para a panela, Mendes!
- Que ela tem uma fazendita, considerou o coadjutor.
- Uma nesga de terra, meu rico senhor, uma nesga de terra! E depois as décimas, os jornais! Por isso digo eu, o pároco é uma mina. Com os seis tostões que ele der, com que eu ajudar, com alguma coisa que ela tire da hortaliça que vende da fazenda, já se governa. E para mim é um alívio, Mendes.
- É um alívio, senhor cônego! repetiu o coadjutor.
Ficaram calados. A tarde descaía muito límpida; o alto céu tinha uma pálida cor azul; o ar estava imóvel. Naquele tempo o rio ia muito vazio; pedaços de areia reluziam em seco; e a água baixa arrastava-se com um marulho brando, toda enrugada do roçar dos seixos.
Duas vacas, guardadas por uma rapariga, apareceram então pelo caminho lodoso que do outro lado do rio, defronte da alameda, corre junto de um silvado; entraram no rio devagar, e estendendo o pescoço pelado da canga, bebiam de leve, sem ruído; a espaços erguiam a cabeça bondosa, olhavam em redor com a passiva tranquilidade dos seres fartos - e fios de água, babados, luzidios à luz, pendiam-lhes dos cantos do focinho.