Ficava todo subjugado, sofria. E lamentava então a sua liberdade perdida: como desejaria não a ver, estar longe de Leiria, numa aldeia solitária, entre gente pacifica, com uma criada velha cheia de provérbios e de economia, e passear pela sua horta quando as alfaces verdejam e os galos cacarejam ao sol! Mas Amélia, de cima, chamava-o - e o encanto recomeçava, mais penetrante.
A hora do jantar, sobretudo, era a sua hora perigosa e feliz, a melhor do dia. A S. Joaneira trinchava, enquanto Amaro conversava cuspindo os caroços das azeitonas na palma da mão e enfileirando-os sobre a toalha. A Ruça, cada dia mais ética, servia mal, sempre a tossir; Amélia às vezes erguia-se para ir buscar uma faca, um prato ao aparador. Amaro queria levantar-se logo, atencioso.
- Deixe-se estar, deixe-se estar, senhor pároco! dizia ela. E punha- lhe a mão no ombro, e os seus olhos encontravam-se.
Amaro, com as pernas estendidas e o guardanapo sobre o estômago, sentia-se regalado, gozava muito no bom calor da sala; depois do segundo copo da Bairrada tornava-se expansivo, tinha gracinhas; às vezes mesmo, com um brilho terno no olho, tocava fugitivamente o pé de Amélia debaixo da mesa; ou, fazendo um ar sentido, dizia "que muito lhe pesava não ter uma irmãzinha assim" !
Amélia gostava de ensopar o miolo do pão no molho do guisado: a mãe dizia-lhe sempre:
- Embirro que faças isso diante do senhor pároco.
E ele então rindo:
- Pois olhe, também eu gosto. Simpatia! magnetismo!
E molhavam ambos o pão, e sem razão davam grandes risadas. Mas o crepúsculo crescia, a Ruça trazia o candeeiro. O brilho dos copos e das louças alegrava Amaro, enternecia-o mais; chamava à S. Joaneira mamã; Amélia sorria, de olhos baixos, trincando com a ponta dos dentes cascas de tangerina.