Amaro lia até tarde, um pouco perturbado por aqueles períodos sonoros, húmidos de desejo; e no silêncio, por vezes, sentia em cima ranger o leito de Amélia; o livro escorregava-lhe das mãos, encostava a cabeça às costas da poltrona, cerrava os olhos, e parecia-lhe vê-la em colete diante do toucador desfazendo as tranças; ou, curvada, desapertando as ligas, e o decote da sua camisa entreaberta descobria os dois seios muito brancos.
Erguia-se, cerrando os dentes, com uma decisão brutal de a possuir.
Começara então a recomendar-lhe a leitura dos Cânticos a Jesus.
- Verá, é muito bonito, de muita devoção! disse ele, deixando-lhe o livrinho uma noite no cesto da costura.
Ao outro dia, ao almoço, Amélia estava pálida, com as olheiras até o meio da face. Queixou-se de insônia, de palpitações.
- E então, gostou dos Cânticos?
- Muito. Orações lindas! respondeu.
Durante todo esse dia não ergueu os olhos para Amaro. Parecia triste - e sem razão, às vezes, o rosto abrasava-se-lhe de sangue.
* * *
Os piores momentos para Amaro eram as segundas e quartas-feiras, quando João Eduardo vinha passar as noites em família. Até às nove horas o pároco não saía do quarto; e quando subia para o chá desesperava-se de ver o escrevente embrulhado no seu xale-manta, sentado junto de Amélia.
- Ai o que estes dois têm para aí palrado, senhor pároco! dizia a S. Joaneira.
Amaro tinha um sorriso lívido, partindo devagar a sua torrada, com os olhos fitos na chávena.
Amélia na presença de João Eduardo, agora, não tinha com o pároco a mesma familiaridade alegre, mal levantava os olhos da costura; o escrevente, calado, chupava o cigarro; e havia grandes silêncios em que se sentia o vento uivar, encanado na rua.
- Olha quem andar agora nas águas no mar! dizia a S. Joaneira, fazendo devagar a sua meia.