- A Sra. Juliana espera alguma herança?
- Talvez! - respondeu secamente.
E cada dia detestava mais Luísa. Quando pela manhã a via arrebicar-se, perfumar-se com água-de-colônia, mirar-se ao toucador cantarolando, saía do quarto porque lhe vinham venetas de ódio, tinha medo de estourar! Odiava-a pelas toaletes, pelo ar alegre, pela roupa branca, pelo homem que ia ver, por todos os seus regalos de senhora. "A cabra!" Quando ela saía ia espreitar, vê-la subir a rua, e fechando a vidraça com um risinho rancoroso:
- Diverte-te, piorrinha, diverte-te, que o meu dia há de chegar! Oh, se há de!
Luísa com efeito divertia-se. Saía todos os dias às duas horas. Na rua já se dizia que a do Engenheiro tinha o seu São Miguel.
Apenas ela dobrava a esquina o conciliábulo juntava-se logo a cochichar. Tinham a certeza que se ia encontrar com o peralta. Onde seria? - era a grande curiosidade da carvoeira.
- No hotel - murmurava o Paula. - Que nos hotéis é escândalo bravio. Ou talvez - acrescentava com tédio - nalguma dessas pocilgas da Baixa!
A estanqueira lamentava-a: uma senhora que era tão apropositada!
- Vaca solta lambe-se toda, Sra. Helena! - rosnava o Paula. - São todas o mesmo!
- Menos isso! - protestava a estanqueira. - Que eu sempre fui uma mulher honesta!
- E ela? - reclamava a carvoeira - ninguém tinha que lhe dizer!
- Falo da alta sociedade, das fidalgas, das que arrastam sedas! É uma cambada. Eu é que o sei! - E acrescentava gravemente: - No povo há mais moralidade. O povo é outra raça! - E com as mãos enterradas nos bolsos, as pernas muito abertas, ficava absorto, com a cabeça baixa, o olhar cravado no chão. - Se é! - murmurava. - Se é! - Como se estivesse positivamente