Luísa?
- Sim - disse ela com um sorriso vago.
Parecia preocupada. Fora já duas vezes ao relógio do quarto ver as horas; quase dez, e Juliana sem voltar! Quem havia de servir o chá? Ela mesma foi pôr as chávenas no tabuleiro, armar o paliteiro. Quando voltou à sala notou um silêncio enfastiado... - Queriam que fosse tocar? - perguntou.
Mas D. Felicidade que olhava, ao pé de Julião, as gravuras do Dante, ilustrado por G. Doré, que ele folheava com o volume sobre os joelhos, exclamou, de repente:
- Ai que bonito! Que é? Muito bonito! Viste, Luísa? Luísa aproximou-se.
- É um caso de amor infeliz, senhora D. Felicidade - disse Julião. - É a história triste de Paulo e Francesca de Rimini. - E explicando o desenho: - Aquela senhora sentada é Francesca; este moço de guedelha, ajoelhado aos pés dela, e que a abraça, é seu cunhado, e, lamento ter de o dizer, seu amante. E aquele barbaças que lá ao fundo levanta o reposteiro e saca da espada, é o marido. que vem, e zás! - E fez o gesto de enterrar o ferro.
- Safa! - fez D. Felicidade, arrepiada. - E aquele livro caído o que é? Estavam a ler?...
Julião disse discretamente:
- Sim... Tinham começado por ler, mas depois... Quel giorno più non vi leggemmo avante, o que quer dizer: - "E nós não lemos mais em todo o dia!"
- Puseram-se a derriçar - disse D. Felicidade com um sorriso.
- Pior, minha rica senhora, pior! Porque segundo a mesma confissão de Francesca, este moço, o da guedelha, o cunhado, La boca me bacciò tutto tremante, o que significa: - "A boca me beijou tremendo todo..."
- Ah! - fez D. Felicidade, com um olhar rápido para o Conselheiro.
- É uma novela?
- É o Dante, D. Felicidade - acudiu com severidade o Conselheiro -, um poema épico classificado entre os melhores.