O Primo Basílio - Cap. 10: CAPÍTULO X Pág. 282 / 414

Mas pouco a pouco esquecera-o tanto, o outro - que a sua recordação, quando por acaso voltava, não dava mais amargor à nova paixão, que um torrão de sal pode dar às águas de uma torrente. Que feliz que seria - se não fosse a infame!

Era a infame que se sentia feliz! Às vezes só no seu quarto, punha-se a olhar em redor com um riso de avaro: desdobrava, batia os vestidos de seda; punha as botinas em fileira, contemplando-as de longe, extática; e debruçada sobre as gavetas abertas da cómoda contava, recontava a roupa branca, acariciando-a com o olhar de posse satisfeita. Como a da Piorrinha! - murmurava, afogada em júbilo.

- Ai! Estou muito bem! - dizia ela à tia Vitória.

- Que dúvida que estás! A carta não te rendeu um conto de réis, mas olha que te trouxe um par de regalos. E é que há de ser uma pingadeira; há de ser a boa peça de linho, o bom adereço, boas moedas... E ainda muito obrigada por cima. Carda-a; filha, carda-a!

Mas já havia pouco que cardar. E lentamente Juliana começou a pensar, que agora o que devia era gozar. Se tinha bons colchões - para que se havia de levantar cedo? Se tinha bons vestidos - por que não havia de ir espairecer para a rua? Toca a tirar partido!

Uma manhã que estava mais frio deixou-se ficar na cama até às nove horas, as janelas entreabertas, um bom raio de sol na esteira. Depois explicou secamente, que tinha estado com a dor. Daí a dois dias Joana, às dez horas, veio dizer baixo a Luísa:

- A Sra. Juliana ainda está na cama; está tudo por arrumar. Luísa ficou aterrada. O quê? Teria de sofrer os seus desmazelos, como as suas exigências?

Foi ao quarto dela:

- Então você levanta-se a estas horas?

- Foi o que me recomendou o médico - replicou muito insolente.

E daí por diante Juliana poucas vezes se erguia antes da hora de servir ao almoço.





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