O Primo Basílio - Cap. 10: CAPÍTULO X Pág. 290 / 414

- Quem é?

- Eu - disse uma voz rouca.

- É meu marido. O animal ainda hoje não despegou de casa. Não posso abrir. Logo.

Luísa limpava os olhos, à pressa, punha o chapéu.

- Quando voltas? - perguntou Leopoldina.

- Quando puder, se não escrevo-te.

- Bem. Eu vou pensar, vou esquadrinhar...

Luísa agarrou-lhe o braço:

- E disto nem palavra.

- Doida!

Saiu. Foi subindo devagar até ao Largo de São Roque. A porta da Igreja da Misericórdia estava aberta, com o seu largo reposteiro vermelho de armas bordadas que o vento agitava brandamente. Veio-lhe um desejo de entrar. Não sabia para quê; mas parecia-lhe que depois da excitação apaixonada em que vibrara, o fresco silêncio da igreja a acalmaria. E depois sentia-se tão infeliz que se lembrou de Deus! Necessitava alguma coisa de superior, de forte a que se amparar. Foi-se ajoelhar ao pé de um altar, persignou-se, rezou o padre-nosso, depois a salve-rainha. Mas aquelas orações, que ela recitava em pequena, não a consolavam; sentia que eram sons inertes que não iam mais alto no caminho do céu que a sua mesma respiração; não as compreendia bem, nem se aplicavam ao seu caso; Deus, por elas, nunca poderia saber o que ela pedia, ali, prostrada na aflição. Quereria falar a Deus, abrir-se toda a Ele; mas com que linguagem? Com as palavras triviais, como se falasse a Leopoldina! Iriam as suas confidências tão longe que O alcançassem? Estaria Ele tão perto que a ouvisse? E ficou ajoelhada, os braços moles, as mãos cruzadas no regaço, olhando as velas de cera tristes, os bordados desbotados do frontal, a carinha rosada e redonda de um Menino Jesus!

Lentamente perdeu-se num cismar que ela não dirigia, que se formava e se movia no seu cérebro, com a flutuação de um fumo que se eleva.





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