Joana disse escandalizada:
- Longe vá o agouro, cruzes!
A outra sorriu; faltavam-lhe dois dentes; e aflautando a voz:
- Tem-me passado pela mão muita gente fina, minha menina. Mais uma gotinha de vinho, faz favor? É do Cartaxo, não? É muito aveludado! Rica gota!
Enfim, com grande satisfação de Jorge, às quatro horas os homens desceram o caixão. A vizinhança estava pelas portas. O Paula, mesmo por fanfarronada, disse com dois dedos adeus ao esquife, murmurando:
- Boa viagem!
Jorge em cima, ao sair, perguntou a Joana:
- E você não tem medo de ficar aqui só?
- Eu não, meu senhor. Quem vai não volta!
Tinha medo, com efeito; mas preparava-se a passar a noite com o Pedro, e batia-lhe o coração de alegria de "terem a casa por sua" até de manhã, e de se poderem rolar amorosamente, como fidalgos, por cima do divã da sala.
Jorge voltou com Sebastião para casa, e apenas entrou no quarto, onde Luísa estava deitada:
- Tudo pronto - disse, esfregando as mãos. - Lã vai para o Alto de São João, devidamente acondicionada. Per omnia saecula soeculorum!
A tia Joana, que estava à cabeceira de Luísa, acudiu:
- Ai, quem lá vai, lá vai... Mas boa mulher não era ela!
- Era um bom estafermo - disse Jorge. - Esperemos que a esta hora esteja a ferver na caldeira de Pero Botelho. Não é verdade, tia Joana?
- Jorge! - fez Luísa repreensivamente. E julgou dever rezar-lhe baixo dois padre-nossos por alma.
Foi tudo o que a terra deu na sua morte àquela que ia rolando a essa hora, ao trote de duas velhas éguas, para a vala dos pobres, e que fora na vida Juliana Couceiro Tavira!
No dia seguinte Luísa estava melhor; falaram mesmo, com grande desconsolação da tia Joana, em voltar para casa. Sebastião não dizia nada, mas quase desejava secretamente que uma convalescença a retivesse ali semanas indefinidas.