O Primo Basílio - Cap. 2: CAPÍTULO II Pág. 39 / 414

.. É mulher, é muito mulher... Não te esqueças, hem, Sebastião?

- Então havia de me esquecer, homem?

Sentiram então o piano na sala e a voz de Luísa ergueu-se, fresca e clara, cantando a Mandolinata:

Amici, la notte è bella, La luna va spuntare.

- Fica tão só, coitada!... - disse Jorge.

Deu alguns passos pelo escritório, fumando, com a cabeça baixa:

- Todo o casal bem organizado, Sebastião, deve ter dois filhos! Deve ter pelo menos um!...

Sebastião coçou a barba em silêncio - e a voz de Luísa, elevando-se com certo esforço áspero, nos altos da melodia:

Di cà, di là per la città Andiamo a transnottare...

Era uma tristeza secreta de Jorge - não ter um filho! Desejava-o tanto! Ainda em solteiro, nas vésperas do casamento, lá sonhava aquela felicidade: o seu filho! Via-o de muitas maneiras: ou gatinhando com as suas perninhas vermelhas, cheias de roscas, e os cabelos anelados, finos como fios de seda; ou rapaz forte, entrando da escola com os livros, alegre e de olho vivo, vindo mostrar-lhe as boas notas dos mestres; ou, melhor, rapariga crescida, clara e rosada, com um vestido branco, as duas tranças caídas, vindo pousar as mãos nos seus cabelos já grisalhos...

Vinha-lhe, às vezes, um medo de morrer sem ter tido aquela felicidade completadora!

Agora, na sala, a voz aguda de Ernestinho perorava; depois, no piano, Luísa recomeçou a Mandolinata, com um brio jovial.

A porta do escritório abriu-se, Julião entrou:

- Que estão vocês aqui a conspirar? Vou-me safar, que é tarde! Até à volta, meu velho, hem? Também ia contigo tomar ar, respirar, ver campos, mas...

E sorriu com amargura. - Àddio! Àddio!

Jorge foi alumiar-lhe ao patamar, abraçá-lo outra vez.





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