III
O pai de Rudolph, o agente transitário local, tinha vindo com a segunda vaga de alemães e irlandeses para a região de Minnesota-Dakota. Teoricamente, grandes oportunidades esperavam um jovem enérgico, naquele tempo e naquele lugar, mas Carl Miller fora incapaz de firmar, quer com os seus superiores quer com os seus subordinados, a reputação de uma certa imutabilidade, essencial para o êxito numa indústria hierárquica. Um tanto rude, ele não era, contudo, suficientemente teimoso e capaz de aceitar como certas as relações fundamentais, e esta incapacidade tornava-o desconfiado, inquieto e continuamente desanimado.
Os seus dois laços com uma vida colorida eram a fé na Igreja Católica Romana e no seu culto místico do Construtor do Império, James J. Hill. Hill era a apoteose daquela qualidade de que Miller carecia: a percepção das coisas, o sentir as coisas, a sugestão de chuva no vento que dá no rosto. A mente de Miller continuava o trabalho proveniente das decisões de outros, e nunca na sua vida sentira nas mãos a responsabilidade de uma única coisa. O seu corpo cansado, pequeno e vivo, envelhecia à sombra gigantesca de Hill. Durante vinte anos vivera sozinho com o nome de Hill e Deus.
Na manhã de domingo Carl Miller acordou na quietude límpida das seis horas. Ajoelhado ao lado da cama, curvou o cabelo cinzento amarelado e os pêlos grisalhos do bigode sobre a almofada, e rezou durante alguns minutos. Depois despiu a camisa de noite - como todos os da sua geração nunca fora capaz de suportar um pijama - e vestiu o seu corpo magro, branco e sem pêlos com roupa interior de lã.
Fez a barba. Silêncio no outro quarto onde a mulher dormia timidamente. Silêncio no canto protegido do átrio onde ficava o beliche do filho, onde o filho dormia entre os seus livros, a sua colecção de cintas de charutos e as suas bandeirolas roídas da traça - «Cornell», «Hamlin», e «Saudações de Pueblo, Novo México» e outras riquezas da sua vida particular.
