Mas assim que acabou de dizer isto, foi-se novamente abaixo e recomeçou a gemer:
- Oh, meu Deus!
Michaelis tentou distraí-lo, à sua desajeitada maneira:
- Quanto tempo estiveram casados, George? Vá lá, fique quieto um minuto e responda à minha pergunta. Quanto tempo estiveram casados?
- Doze anos.
- Nunca tiveram filhos? Vá lá, George, acalme-se... eu fiz-lhe uma pergunta. Nunca tiveram filhos?
Escaravelhos castanhos esbarravam constantemente contra a luz frouxa, e sempre que um carro passava, veloz, na estrada, Michaelis julgava ouvir o carro que, horas antes, não tinha parado. Não queria entrar na garagem, porque a banca de trabalho, onde o cadáver jazera, estava manchada de sangue; por isso andava às volta no escritório, constrangido. Antes de amanhecer já ele conhecia de cor e salteado os objectos que dele faziam parte e de vez em quando sentava-se ao lado de Wilson, tentando serená-lo.
- Você costuma ir a alguma igreja, George? Mesmo que lá não vá há muito tempo? Talvez eu pudesse telefonar para lá e pedir que cá mandassem um padre para falar consigo, não acha bem?
- Não sou de igrejas.
- Mas devia pertencer a uma igreja qualquer, George… para ocasiões como esta. De certeza que já entrou numa igreja, pelo menos uma vez. Não se casou pela igreja? Escute, George, oiça o que eu lhe digo. Não se casou pela igreja?
- Mas isso foi há muito tempo.
O esforço de responder quebrou-lhe o ritmo do balanço e por um instante ficou calado. Depois voltou-lhe aos olhos murchos a mesma expressão de semiconsciência e de semidesequilíbrio.
- Procure ali naquela gaveta! - disse, apontando para a secretária.
- Qual gaveta?
- Aquela... Não, a outra!
Michaelis abriu a gaveta que lhe estava mais a mão.