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Capítulo 2: Capítulo 2

Página 28

—Oh, não, não!—gritou Nastenka, e pequenas lágrimas refulgiram nos seus olhos.

—Não, isso nunca acontecerá. Não nos separemos assim! Que são duas noites?

—Nastenka, Nastenka! Sabe que conseguiu reconciliar-me por muito tempo comigo mesmo? Sabe que não terei, a partir de agora, uma opinião de mim próprio tão má como tive em certos momentos? Sabe que doravante não lamentarei mais, talvez, ter cometido um crime e um pecado na minha existência (porque uma vida como a minha é um crime e um pecado)? E não julgue que estou à exagerar; por amor de Deus, não pense uma coisa dessas, Nastenka, porque vivi alturas de um tal desespero, de um tal tédio...; porque nessas alturas começa a afigurar-se-me que nunca serei capaz de iniciar uma vida autêntica, porque me pareceu já que tinha perdido todo o tacto, toda a noção do presente, do real; porque, em suma, cheguei a amaldiçoar-me a mim próprio; porque após as minhas noites fantásticas passei por pavorosos momentos de abatimento! No entanto, ouvimos à nossa volta a multidão bramir e rodopiar no turbilhão da vida, ouvimos e vemos viver os homens, viver bem acordados, vemos que a vida não lhes é interdita, que a vida não se lhes evaporará como um sonho, uma visão, que a vida deles é perpetuamente renovada, eternamente jovem, sem que uma hora se assemelhe à seguinte, enquanto a tímida fantasia é sombria e monótona até à banalidade, escrava da sombra, da ideia, escrava da primeira nuvem que de súbito obscurecerá o Sol e oprimirá de angústia o verdadeiro coração sampetersburguês, tão cioso do seu sol... Ora, na angústia não pode existir fantasia!

«Sentimos que, por fim, essa inesgotável fantasia se fatiga, se esgota numa perpétua tensão, porque amadurecemos e superamos os nossos ideais antigos, os quais se desfazem em pó e se desmoronam, e, se não existe outra vida, é preciso construí-la mesmo com essas rumas. E, no entanto, é algo de diferente aquilo que a alma solicita e quer! É, pois, em vão que o sonhador procura entre as cinzas dos seus velhos devaneios pelo menos qualquer cintilação para lhe soprar em cima e aquecer com um fogo novo o seu coração arrefecido e nele ressuscitar tudo o que outrora era tão agradável, tudo o que lhe sensibilizava a alma, tudo o que lhe fazia palpitar o sangue, tudo o que lhe inundava de lágrimas os olhos e iludia de maneira tão magnífica! Sabe, Nastenka, ao que eu cheguei? Sabe que me vejo obrigado a celebrar o aniversário dos meus sentimentos, o aniversário daquilo que dantes me era tão caro e que, na realidade nunca existiu —porque esse aniversário se celebra sempre em memória dos mesmos tolos devaneios—e, em última análise, esses próprios tolos devaneios não existem, porque não há possibilidade de os extrair da vida: até os sonhos nascem da vida, não é verdade?

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Capa do livro Noites Brancas
Páginas: 67
Página atual: 28

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
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Capítulo 2 14
Capítulo 3 44
Capítulo 4 52
Capítulo 5 65