Estava eu, a dona da casa, Madame V., os dois irmãos Grey, o Ravara de Melo e aquela linda rapariga que o ano passado professou num convento de Segóvia e que você também conheceu muito bem, Lídia de Vasconcelos. Lembro-me como se o caso se tivesse passado ontem. Não sei que poder evocador se desprende desta noite, da melopeia destas ondas, que misteriosos eflúvios traz consigo o ar que entra por esta janela aberta, o certo é que preciso fazer um esforço para me convencer que isto não se passou ontem, que tantos anos não dispersaram já toda esta gente que evoco. Influência do cenário igual, da noite igual da discussão, talvez...
«Os Estoris enchiam-se de pontos luminosos; o céu, de estrelas miudinhas. O Monte lembrava um presépio, como agora, sobre o mar a escurecer, a preparar o mistério das suas bodas com a Lua que vai surgir toda de branco.
«Discutia-se um caso de telepatia narrado pelo mais novo dos Grey, aquele místico Robert de uma psicologia tão curiosa. Tinha visto, segundo ele dizia, a mãe entrar no seu quarto, depois de ter atravessado um comprido corredor que levava diretamente à alcova onde meses antes expirara. O caso levantou, como calculam, enorme celeuma. Na mesa ninguém se entendia; falavam todos a um tempo, faziam-se comentários, cada um expunha a sua opinião, contava um caso da sua vida. Houve risos, blagues, e, quando saímos para o terraço, deixando os dançarinos no salão, o Robert continuava, impassível, a garantir a autenticidade da sua história, e nós todos engalfinhados a discuti-la.
«Parece-me estar ouvindo o Ravara de Melo, o cético elegante, rir com os seus espirituosíssimos paradoxos a escultural Madame V., aquela loira Madame V. de quem a Lila dizia que trazia a arder na cabeça todas as fogueiras de S.