9.
Neste estado, tudo se enriquece a partir de sua própria plenitude: o que se vê, o que se quer, se vê dilatado, cerrado, forte, sobrecarregado com a força. O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição. Este precisar- transformar em algo perfeito é - arte. Tudo mesmo o que ele não é, vem-a-ser apesar disto para ele prazer em si; na arte, o homem goza de si mesmo enquanto perfeição. Seria permitido cogitar-se um estado oposto, um específico movimento antiartístico dos instintos - um modo de ser que empobrece, estreita, que deixa todas as coisas tísicas. E, de fato, a história é rica em tais antiartistas, em tais esfomeados de vida: os quais por necessidade tomam as coisas ainda em si para debilitá-las, os quais precisam torná-las mais magras. Este é, por exemplo, o caso do genuíno cristão, citemos Pascal: um cristão que fosse ao mesmo tempo artista não existe... Que não se seja infantil e me lance ao rosto Rafael ou qualquer cristão homeopático do século dezanove: Rafael dizia sim, Rafael realizava a afirmação, logo Rafael não era de modo algum um cristão.
10.
Qual o significado dos conceitos opostos introduzidos por mim na estética, o apolíneo e o dionisíaco, ambos concebidos enquanto modos da embriaguez? - A embriaguez apolínea mantém antes de tudo o olhar excitado, de forma que ele recebe a força da visão. O pintor, o escultor, o poeta épico são visionários par excellence. Na instância dionisíaca, ao contrário, o sistema conjunto de afetos é que está excitado e elevado: de modo que ele descarrega de uma vez só todos os seus meios de expressão e lança para fora ao mesmo tempo a força de apresentação, de reprodução, de transfiguração, de transformação, bem como de todo o tipo de mímica e teatralidade.