Era meu amigo pessoal, servira sob suas ordens meses seguidos, estivemos juntos sob fogo inimigo, e eu conhecia sua história pessoal. Era homem que sacrificara tudo - família, nacionalidade, subsistência - para vir à Espanha lutar contra o fascismo. Por ter deixado a Bélgica sem permissão e ingressado em exército estrangeiro enquanto membro da reserva do exército belga e tendo ilegalmente, antes disso, ajudado a fabricar munições para o Governo espanhol, ele acumulara para si muitos anos de prisão, caso regressasse á pátria. Estivera na linha de frente desde outubro de 1936, subira de miliciano a major, entrara em ação não sei quantas vezes e fora ferido. Durante as desordens de maio, como eu próprio vira, impedira a luta localmente e com isso devia ter salvo dez ou vinte vidas. E tudo quanto sabiam fazer para recompensar um homem assim era atirá-lo na cadeia! Ficar com raiva é pura perda de tempo, mas a estupidez dessas coisas consegue esgotar a paciência de qualquer um.
Enquanto isso, não haviam "apanhado" minha esposa. Embora ela permanecesse no Continental, a polícia não tomara qualquer medida para prendê-la. Tornava-se bem claro que a usavam como chamariz, mas duas noites antes, pela madrugada, seis policiais à paisana invadiram nosso quarto e vasculharam tudo. Apoderaram-se de todos os papéis que possuíamos, com a afortunada exceção dos passaportes e livro de cheques. Levaram meus diários, nossos livros, recortes de jornais que se acumularam nos meses anteriores (muitas vezes procurei, em vão, imaginar de que lhes serviram esses recortes), os objetos que eu guardava como recordações da guerra, e todas as nossas cartas. (De passagem quero registrar que levaram bom número de cartas que eu recebera de leitores. Algumas não foram respondidas, e está claro que não mais disponho dos endereços. Caso alguém que tenha escrito acerca de meu último livro e não tenha recebido resposta leia estas linhas, peço aceitar minhas desculpas.) Mais tarde fiquei sabendo que a polícia também se apoderara de diversos pertences por mim deixados no Sanatório Maurin. Levaram até uma trouxa de roupas sujas, contando, talvez, encontrar nelas alguma coisa escrita com tinta invisível.
Tornava-se óbvio que, para minha esposa, era mais seguro continuar no hotel, pelo menos provisoriamente. Se procurasse fugir, partiriam logo em seu encalço. Quanto a mim, teria de seguir diretamente para um esconderijo, e isso me revoltava. A despeito das inúmeras prisões efetuadas, era-me quase impossível acreditar que estava em perigo.