Dizem que são precisas mil balas para matar um homem, e naquela batida seriam precisos vinte anos até eu poder matar meu primeiro fascista. Em Monte Oscuro as linhas estavam mais próximas e fazia-se número maior de disparos, mas tenho razoável certeza de que não acertei pessoa alguma. A bem da verdade, naquela linha de frente e nesse período da guerra a arma verdadeira não era o fuzil, mas o megafone. Não se podendo matar o inimigo, gritava-se para ele tudo quanto era desaforo e provocação. Tal método de guerra é coisa tão extraordinária, que merece explicação.
Sempre que as linhas se encontravam em distância que a voz humana alcançasse, travava-se intenso intercâmbio de uma trincheira para a outra De nós partiam os gritos:
- Fascistas - maricones!
E, vindo deles:
- Viva España! Viva Franco!
Ou então, quando sabiam que havia ingleses no nosso lado, gritavam em espanhol:
- Voltem pra casa, seus ingleses! Não queremos estrangeiros aqui!
No lado do Governo, as milícias partidárias, o grito de frases de propaganda destinadas a solapar o moral do inimigo já se transformara em técnica regular. Em toda posição que se prestasse a isso havia homens, em especial os metralhadores que eram dispensados para o trabalho de gritar, e que recebiam megafones para isso. Via de regra eles berravam uma frase feita, cheia de sentimentos revolucionários que visavam fazer os soldados fascistas compreenderem que não passavam de cachorrinhos do capitalismo internacional, que estavam lutando contra sua própria classe, etc. etc. e instavam para que se bandeassem para nosso lado. Isso era repetido continuamente por turmas que se revezavam na tarefa, e às vezes adentrava-se pela noite afora. Não há dúvida de que o trabalho apresentava efeitos, e todos concordavam em que o gotejamento de desertores fascistas devia-se a isso, em parte. Pensando bem no assunto dá para ver que quando um pobre coitado designado como sentinela - e muito provavelmente membro de sindicato socialista ou anarquista, apanhado pelo recrutamento contra sua vontade - está enregelado em seu posto, o refrão "Não lute contra sua própria classe!" a ecoar repetidamente na escuridão acaba por causar certa impressão. Podia até representar exatamente a diferença entre desertar e não desertar. Está claro que tal método não se ajusta à conceção britânica de como fazer a guerra e reconheço ter ficado espantado e escandalizado quando, pela primeira vez, vi fazerem isso. Que ideia estapafúrdia, essa de querer converter o inimigo, ao invés de abrir fogo sobre ele! Já agora acredito que, de qualquer ponto de vista pelo qual se encare a questão, era um recurso legítimo.