Na guerra comum de trincheira, quando não existe artilharia, mostra-se extremamente difícil infligir baixas ao inimigo sem que se receba número idêntico das mesmas. Se for possível imobilizar certo número de homens no lado oposto, fazendo com que desertem, tanto melhor, e os desertores têm mais valor do que cadáveres, pois prestam informações. Mas inicialmente tal sistema nos desalentou, levando-nos a crer que os espanhóis não estavam encarando aquela guerra muito a sério. O homem que se encarregava da gritaria destinada ao inimigo, no posto do P. S. U C. lá em baixo à nossa direita, era um verdadeiro artista no assunto. As vezes, ao invés de gritar refrões revolucionários, ele simplesmente contava aos fascistas que estávamos muito mais bem alimentados do que eles. Sua descrição das rações que recebíamos do Governo tendia, na verdade, a mostrar-se um tanto imaginativa.
- Torrada com manteiga! - dava para ouvir no eco que reverberava pelo vale afora. - Estamos aqui sentados e comendo torradas com manteiga! Pedacinhos lindos de torrada com bastante manteiga!
Não duvido que, como nós, ele não visse manteiga já desde semanas ou meses atrás, mas naquelas noites geladas as noticias de torradas imersas em manteiga provavelmente puseram muitas bocas fascistas cheias de água. Até a minha ficava, embora eu soubesse que ele mentia descaradamente.
Certo dia, em fevereiro, vimos um aeroplano fascista a aproximar-se. Como de costume, a metralhadora foi levada para o descoberto e seu cano virado para cima, enquanto todos se deitavam de costas para fazer boa mira. Nossas posições isoladas não valiam o lançamento de uma bomba, e via de regra os poucos aviões fascistas que passavam por ali faziam círculos para evitar o fogo das metralhadoras. Mas daquela feita o aeroplano veio diretamente para nós, alto demais para que se pudesse abrir fogo, e dele vieram caindo não bombas, mas coisas brancas e brilhantes que revoluteavam no ar. Algumas chegaram até nossa posição. Eram exemplares de um jornal fascista, o Heraldo de Aragân anunciando a queda de Málaga.
Aquela noite os fascistas na posição em frente desferiram um tipo de ataque abortivo. Eu acabava de alojar-me para dormir, meio morto de sono, quando estrugiu uma torrente forte de balas por cima e alguém gritou no abrigo:
- Estão atacando!
Passei a mão no fuzil e deslizei até meu posto, na parte de cima da posição e ao lado da metralhadora. Reinavam uma escuridão completa e barulheira infernal.