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Capítulo 5: Capítulo 5

Página 47

Pareceu-me que o povo naquela parte da Espanha deve ser gente genuinamente destituída de sentimento religioso, isto é, no sentido comum. É curioso que em todo o tempo pelo qual estive na Espanha jamais tenha visto uma pessoa persignar-se, quando seria de pensar que tal gesto se torna instintivo, com ou sem revolução. Está claro que a Igreja espanhola voltará (como afirma o ditado, a noite e os jesuítas sempre regressam), mas não resta dúvida de que ao inicio da revolução ela entrou em colapso e foi destruída em tal medida que seria inimaginável até mesmo para a Igreja da Inglaterra em circunstâncias comparáveis. Para o povo espanhol, pelo menos na Catalunha e Aragón, a Igreja não passava de exploração pura e simples, e talvez a crença cristã tenha, em certa medida, sido substituída pelo anarquismo, cuja influência está bastante disseminada e certamente apresenta uma coloração religiosa.

Foi no dia em que voltei do hospital que adiantamos a linha de frente para o que realmente era sua posição correta, uns mil metros à frente, estendendo-se ao longo do pequeno curso de água a duzentos metros diante das linhas fascistas. Essa operação deveria ter sido efetuada meses antes, e a justificação para fazê-lo agora estava em que os anarquistas atacavam a estrada para Jaca e o avançarmos nesse lado obrigara os fascistas a desviar soldados para nos enfrentar.

Estávamos sem dormir por umas sessenta ou setenta horas, e minhas recordações registram um véu azulado, ou melhor, uma série de quadros diferentes. Ouvindo os ruídos feitos pelo inimigo, à espreita na terra de ninguém, a cem metros da Casa Francesa, fazenda fortificada que fazia parte da linha fascista. Sete horas deitado num pântano horrível, em água fedorenta na qual o corpo ia afundando cada vez mais: o cheiro de caniços, o frio entorpecedor, as estrelas imóveis no céu negro, o coaxar estridente dos sapos... Embora estivéssemos em abril, foi a mais fria de todas as noites que passei na Espanha. A somente cem metros atrás de nós as turmas de trabalho agiam com afinco, mas reinava o maior silêncio, a não ser pelo coro dos sapos. Apenas uma vez naquela noite ouvi um ruído - o barulho familiar de um saco de areia que é achatado com uma pá. É estranho como, somente de vez em quando, os espanhóis conseguem um brilhante feito de organização. Toda a manobra à frente foi maravilhosamente planejada. Em sete horas seiscentos homens construíram mil e duzentos metros de trincheira e parapeito, em distâncias que variavam de cento e cinquenta a trezentos metros das linhas fascistas, e com tamanho silêncio que o inimigo nada ouviu, havendo apenas uma baixa durante a noite.

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Capa do livro Homenagem à Catalunha
Páginas: 193
Página atual: 47

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 12
Capítulo 3 19
Capítulo 4 32
Capítulo 5 39
Capítulo 6 51
Capítulo 7 64
Capítulo 8 70
Capítulo 9 81
Capítulo 10 105
Capítulo 11 130
Capítulo 12 142
Capítulo 13 157
Capítulo 14 173