Homenagem à Catalunha - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 68 / 193

Todo esse período permanece comigo com vividez curiosa. Em minha recordação percorro incidentes que poderiam parecer insignificantes demais para justificar isso. Estou no abrigo em Monte Pocero outra vez, na beirada de calcário que serve de cama, e o jovem Ramón ronca com o nariz achatado entre minhas omoplatas. Estou tropeçando na trincheira enlameada, atravessando o nevoeiro que gira ao redor como vapor frio. Estou a meio caminho numa fenda da encosta, lutando por manter o equilíbrio e agarrando uma raiz de alecrim bravo no chão. Lá por cima, cantam balas perdidas e destituídas de qualquer sentido.

Estou deitado e oculto entre pequenos abetos, no chão baixo ao oeste de Monte Oscuro, com Kopp e Bob Edwards e três espanhóis. No topo do morro cinzento à nossa direita encontra-se uma fieira de fascistas, subindo aquilo como se fossem formigas. Bem à frente um toque de cometa parte das linhas fascistas. Kopp troca um olhar comigo, e com gesto de colegial faz fiau para o inimigo.

Estou no pátio enlameado de La Granja, em meio ao grupo de homens que lutam com suas vasilhas de estanho em volta ao caldeirão de ensopado. O cozinheiro, homem gordo e embaçarado, faz-nos recuar brandindo a concha em nossa direção. Em mesa próxima está um homem barbudo, com enorme pistola automática no coldre e partindo pães em cinco pedaços. Atrás de mim uma voz com sotaque londrino (Bill Chambers, com quem tive acesa disputa, e que mais tarde foi morto fora de Huesca) está cantando:

Há ratos, muitos ratos,

ratos tão grandes quanto gatos,

no dep...

Uma granada de artilharia estruge com seu grito pelo ar. Meninos de quinze anos atiram-se de cara no chão. O cozinheiro se esconde atrás do caldeirão, e todos se erguem, com expressões encabuladas, enquanto a granada mergulha e estoura a cem metros de distância.

Estou andando de lá para cá na linha de sentinelas, sob as copas escuras dos choupos. Na vala inundada, lá fora, os ratos estão a espadanar, fazendo tanto barulho como se fossem lontras. Quando a madrugada amarelada desponta atrás de nós a sentinela andaluza, protegida em sua capa, começa a cantar. Do outro lado da terra de ninguém, a cem ou duzentos metros de distância, dá para ouvir a sentinela fascista cantando também.

Em 25 de abril, depois dos mañanas de costume, outra seção nos substituiu e entregamos nossos fuzis, embrulhamos os pertences e marchamos de volta para Monflorite. Não fiquei com pena de deixar a linha.





Os capítulos deste livro