Homenagem à Catalunha - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 67 / 193

Em todos os países do mundo há uma tribo enorme de mercenários partidários, e professorzinhos maneirosos em atividade, empenhados em "provar" que o socialismo nada mais que dizer senão capitalismo estatal planificado, deixando intata a motivação gananciosa do lucro. Mas existe também, e por felicidade, uma visão diferente do que seja o socialismo. A coisa que atrai os homens comuns ao socialismo, e faz com que se disponham a arriscar o canastro por ele, a "mística" do socialismo, é a ideia de igualdade. Para a vasta maioria das pessoas o socialismo representa uma sociedade sem classes, ou então estará vazio de qualquer significado. E foi nisto que aqueles poucos meses passados na milícia se mostraram valiosos para mim, pois enquanto existiram as milícias espanholas elas constituíram uma espécie de microcosmos de uma sociedade sem classes. Naquela coletividade, onde ninguém estava a "se arrumar", onde havia escassez e falta de tudo mas também não se encontrava o privilégio, o servilismo, recebia-se o que talvez fosse uma amostra bruta do que poderiam ser as etapas iniciais do socialismo. E, acima de tudo, ao invés de causar desilusão, isso me atraía profundamente. O efeito era fazer com que se tornasse muito mais real o meu desejo de ver o socialismo estabelecido. Talvez isso se devesse, em parte, à boa sorte de estar entre espanhóis, gente que, com sua decência inata e sua coloração anarquista sempre presente, tornaria até mesmo as etapas iniciais do socialismo uma coisa suportável, se lhe fosse dada a oportunidade para isso.

Está claro que, na época, eu mal percebia as transformações que ocorriam em meu próprio espírito. Como todos os que estavam ao meu redor, minhas noções mais conscientes eram as de aborrecimento, calor, frio, sujeira, piolhos, privações e perigo ocasional. A coisa está muito outra, agora. Esse período, que pareceu-me então inútil e privado de acontecimentos, assumiu grande importância para mim. E coisa tão diferente do resto de minha vida, que já assumiu aquela qualidade mágica que, via de regra, pertence apenas às recordações já distantes nos anos passados. Era coisa bestial enquanto acontecia, mas constitui um bom período no qual meu espírito pode se alimentar. Eu gostaria de poder transmitir ao leitor a atmosfera daquela época, e espero tê-lo conseguido, ao menos um pouco, nos capítulos anteriores deste livro. A coisa está toda ligada, em meu espírito, ao frio de inverno, aos uniformes esfarrapados dos milicianos, aos rostos ovais dos espanhóis, à cadência telegráfica de metralhadoras, ao fedor de urina e pão estragado, ao paladar estânico de feijoadas devoradas às carreiras e servidas em vasilhame nada limpo.





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