Enquanto isso, todas as vezes em que eu conseguia encurralar nosso tenente em um canto, bradava para que me instruíssem no uso da metralhadora. Eu tirava o dicionário do bolso, e começava a falar-lhe, com meu espanhol dos mais infames:
- Yo sé manejar fusil. No sé manejar a metralladora. Quiero aprender ametralladora. Cuando vamos aprender a metralladora?
A resposta era invariável: um sorriso embaraçado e a promessa de que haveria instrução sobre metralhadoras mañana. Não é preciso dizer que esse mañana nunca chegou. Passaram-se diversos dias, os recrutas aprenderam a marchar com passo certo e ficar em "sentido" com pose quase marcial, mas quando muito sabiam o lado pelo qual saía a bala de um fuzil. Certo dia um carabineiro armado passou por nós enquanto estávamos parados, e deixou que examinássemos sua arma. Foi então que se viu que em toda a minha seção ninguém, a não ser eu, sabia sequer carregar a arma, e muito menos como fazer pontaria com ela.
Nesse período eu travava minhas batalhas costumeiras com o idioma espanhol. Além de mim havia apenas um inglês no quartel, e entre os oficiais não se achava um só que falasse qualquer coisa de francês As coisas não eram fáceis, para mim, pois quando meus companheiros falavam um com o outro faziam-no em catalão O único modo pelo qual eu conseguia tocar à frente era levar por toda a parte um pequeno dicionário, que arrancava do bolso nos momentos de crise. Mas era preferível ser estrangeiro na Espanha a selo na maioria dos outros países. Como é fácil fazer amigos na Espanha! Em um ou dois dias eram numerosos os milicianos a chamar-me pelo primeiro nome, ensinando-me os truques e peculiaridades do lugar e da vida, e arrebatando-me com sua hospitalidade. Não estou escrevendo um livro de propaganda, e não pretendo apresentar a milícia P.O.U.M. como uma coisa ideal. Todo o seu sistema apresentava falhas sérias, e os próprios homens formavam um bando bastante heterogêneo, pois a essa altura o recrutamento diminuía e muitos dos melhores elementos encontravam-se na linha de frente, ou já haviam morrido. Sempre existia entre nós uma certa percentagem inteiramente inútil. Rapazinhos de 15 anos eram levados a alistar-se pelos seus pais, e isso declaradamente devido às dez pesetas diárias que formavam o soldo do miliciano, bem como por causa do pão que a milícia recebia em quantidade e conseguia mandar para casa dos pais. Mas desafio qualquer um a que fosse lançado, como eu fui, em meio à classe trabalhadora espanhola - ou talvez devesse dizer classe trabalhadora catalã, pois à parte de alguns aragoneses e andaluzes eu só me dava com os catalães - e não ficasse impressionado por seu sentimento íntimo de decência e, acima de tudo, por sua franqueza e generosidade.