Aquela tarde chegou-se a um tipo de armistício. Os disparos acabaram e, com repente notável, as ruas se encheram de gente. Algumas casas comerciais começaram a levantar as portas, e o mercado foi tomado por multidão enorme a pedir gêneros, embora os balcões estivessem quase vazios. Era de notar, entretanto, que os bondes elétricos não começavam a circular. Os Guardas Civis ainda guardavam suas barricadas no Moka, e em nenhum dos lados os edifícios fortificados eram evacuados. Todos andavam às pressas, procurando comprar o que comer, e em todos os lados ouviam-se as mesmas perguntas aflitas:
- Será que acabou? Acha que vai começar de novo?
"Ela", a luta, era agora considerada um tipo de calamidade natural, furacão ou terremoto, coisa que acontecia a todos nós, e que não tínhamos o poder de sustar. E de fato, quase imediatamente - acredito que se passassem algumas horas de trégua, porém elas mais se assemelharam a minutos - um estrondo súbito de fuzis, como trovoada, pôs todo o mundo a correr, as portas de aço voltaram a fechar-se, as ruas se esvaziaram como por encanto, as barricadas estavam guarnecidas, e "ela" recomeçava.
Regressei a meu posto no telhado com forte sentimento, cujos ingredientes eram o desgosto e a raiva. Quando se toma parte em acontecimentos assim está-se ao menos um pouco, a meu ver, fazendo a história, e por todos os títulos devíamos sentir-nos como personagens históricos. Mas isso não ocorre, pois em tais ocasiões os detalhes físicos sempre superam tudo o mais. Por toda a luta jamais pude fazer aquela "análise" correta da situação que jornalistas situados a centenas de quilômetros de distância faziam, de modo tão leviano. Aquilo em que mais pensava não eram as coisas certas ou erradas da refrega intestina miserável, mas no desconforto e tédio de estar sentado dia e noite naquele telhado intolerável, e na fome que piorava sempre - pois nenhum de nós pudera fazer uma só refeição suficiente desde segunda-feira. Por todo o tempo eu pensava em que teria de regressar à linha de frente assim que aquela questão terminasse. Isso me enfurecia. Estivera cento e quinze dias na linha, e voltara a Barcelona desejando veementemente algum descanso e conforto. Ao invés disso, tinha de passar o tempo sentado num telhado em frente a Guardas Civis tão entediados quanto eu, que de vez em quando acenavam para mim e asseveravam ser "trabalhadores" (querendo, com isso, dizer que alimentavam a esperança de que eu não abriria fogo contra eles), mas que certamente disparariam suas armas se recebessem ordem para isso.