Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 14 / 273

Mas não iria para o Inferno quando morresse; as tremuras haviam de parar. Uma voz desejou boa noite aos rapazes do dormitório. Espreitou rapidamente por cima das colchas e viu os cortinados amarelos em volta da sua cama que o cercavam por todos os lados. A luz foi baixando lentamente.

Os sapatos do prefeito afastaram-se. Para onde iria? Desceria a escada e seguiria pelos corredores fora ou iria para o seu quarto? Via a escuridão. Seria verdadeira a história do cão negro que se passeava pelo colégio, de noite, com olhos do tamanho de lanternas das carruagens? Dizia-se que era o fantasma de um assassino. Um longo calafrio de pavor percorreu-lhe o corpo. Imaginou o vestíbulo sombrio do castelo. Os velhos criados, com as librés antigas, encontravam-se no patamar ao cimo das escadas. O caso passara-se havia muitos anos. Os velhos criados estavam silenciosos. Havia uma lareira acesa, mas o vestíbulo continuava mergulhado na obscuridade. Uma figura subiu as escadas, vinda do vestíbulo. Usava uma capa branca de marechal; o seu rosto estava pálido e estranho; comprimia o flanco com uma das mãos. Fitou os velhos criados com um estranho olhar. Eles olharam-no e viram o rosto e a capa do seu amo e perceberam que estava mortalmente ferido. Mas havia apenas trevas no sítio para onde eles estavam a olhar; apenas o ar silencioso e escuro. O seu amo havia sido mortalmente ferido no campo de batalha em Praga, muito longe dali, do outro lado do mar. Estava de pé no campo de batalha; comprimia o flanco com uma das mãos; o seu rosto era pálido e estranho, e usava a sua capa branca de marechal.

Oh, como era arrepiante e estranho pensar naquelas coisas! Toda a escuridão era arrepiante e estranha. Havia nela pálidos e estranhos rostos, grandes olhos como lanternas de carruagem.





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