Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 3: III Pág. 144 / 273

Não conseguia convocá-los à sua memória. Sentia apenas um sofrimento da alma e do corpo, sentia todo o seu ser, a memória, a vontade, o entendimento, a carne, entorpecidos e fatigados.

Aquilo era obra do Demónio, dispersar os seus pensamentos e nublar a sua consciência, atacando-o às portas da sua carne cobarde e corrompida pelo pecado; e, rogando timidamente a Deus que lhe perdoasse a sua fraqueza, arrastou-se para cima da cama e, embrulhando-se bem nos cobertores, voltou a tapar o rosto com as mãos.

Tinha pecado. Tinha pecado tão profundamente contra o Céu e contra Deus que não tinha o direito de ser chamado filho de Deus.

Seria possível que ele, Stephen Dedalus, tivesse feito essas coisas? A sua consciência suspirou, em resposta. Sim, ele tinha-as feito, secretamente, repugnantemente, repetidas vezes, e, endurecido na impenitência pecaminosa, tinha ousado usar a máscara da santidade diante do próprio tabernáculo, enquanto, dentro dele, a sua alma era uma massa viva de corrupção. Como era possível que Deus não o tivesse fulminado? A leprosa companhia dos seus pecados cercava-o, envolvendo-o no seu hálito, curvando-se sobre ele de todos os lados. Tentou esquecê-la num acto de oração, encolhendo-se todo e fechando os olhos com força; mas os sentidos da sua alma não se deixavam dominar e, embora tivesse os olhos bem fechados, via os lugares onde tinha pecado e, apesar de ter os ouvidos bem tapados, ouvia. Desejou, com toda a sua vontade, não ouvir nem ver. O seu desejo foi tão forte que todo o seu corpo estremeceu sob a sua força e os sentidos da sua alma fecharam-se. Fecharam-se por um instante e depois abriram-se. E viu.

Um campo de fortes ervas daninhas, cardos e tufos de urtigas.

Por entre esses tufos de ervas espessas e fortes jaziam latas amolgadas e bostas espiraladas de excrementos endurecidos.





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