Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 163 / 273

A certeza nítida da sua própria imunidade tornou-se menos clara e a isso sucedeu-se um vago receio de que a sua alma tivesse sido apanhada desprevenida. Foi com dificuldade que reconquistou a antiga consciência do estado de graça, dizendo a si mesmo que tinha rezado a Deus a cada tentação e que a graça que tinha suplicado lhe deveria ter sido concedida, na medida em que Deus era obrigado a concedê-la. A própria violência e frequência das tentações demonstrava-lhe, finalmente, a verdade do que tinha ouvido acerca das tentações dos santos. As tentações frequentes e violentas eram uma prova de que a cidadela da alma não caíra e que o demónio se esforçava por a fazer cair.

Muitas vezes, depois de ter confessado as suas dúvidas e escrúpulos - alguma desatenção momentânea durante as orações, um movimento trivial de cólera na sua alma, ou uma subtil obstinação nas palavras e nos actos -, o seu confessor pedia-lhe que referisse qualquer pecado da sua vida passada, antes de lhe dar a absolvição. Mencionava-o com humildade e vergonha, e arrependia-se novamente dele. Humilhava-o e envergonhava-o pensar que nunca se livraria completamente daquilo, por muito santamente que vivesse e independentemente das virtudes ou perfeições que conseguisse alcançar. Nele estaria sempre presente um incansável sentimento de culpa: confessar-se-ia e arrepender-se-ia e seria absolvido, voltaria a confessar-se, a arrepender-se e a ser absolvido, sempre em vão. Aquela primeira confissão apressada, que lhe fora arrancada pelo receio do Inferno, não teria sido suficientemente boa? Preocupado apenas pela sua iminente perdição, não se teria arrependido sinceramente do seu pecado? Mas o sinal mais seguro de que a sua confissão tinha valido e de que ele se arrependera sinceramente do seu pecado era, sabia-o bem, o facto de ter emendado a sua vida.





Os capítulos deste livro