Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 177 / 273

Os seus pés passavam num tropel pela sua mente, patas de lebres e de coelhos, patas de corças, veados e antílopes, até deixar de as ouvir e se recordar apenas da soberba cadência de Newton: «Cujos pés são como as patas dos veados sob os galhos eternos».

A soberba daquela confusa imagem trouxe de novo à sua mente a dignidade do cargo que recusara. Durante toda a sua adolescência, tinha meditado naquilo que pensara tantas vezes ser o seu destino e, quando chegara o momento de responder à chamada, tinha-se afastado, obedecendo a um instinto rebelde. Agora, tinha passado o momento: os óleos da ordenação nunca ungiriam o seu corpo. Tinha-os recusado. Porquê?

Afastou-se da estrada, em Dollymount, voltando para o lado do mar e, ao passar pela frágil ponte de madeira, sentiu as tábuas vibrarem sob os passos de pés pesadamente calçados. Um grupo de irmãos cristãos regressava do Bull e principiara a atravessar a ponte, a dois e dois. Daí a pouco, toda a ponte estremecia e ressoava. Os seus rostos agrestes passaram por ele, a dois e dois, amarelados, avermelhados ou lívidos pelo efeito do mar, e, embora se esforçasse por olhar para eles com naturalidade e indiferença, subiu-lhe ao rosto um vago rubor de vergonha pessoal e de comiseração. Furioso consigo próprio, tentou ocultar o rosto aos olhares deles, olhando obliquamente para a água pouco profunda que redemoinhava por baixo da ponte, mas ainda pôde ver nela o reflexo dos seus instáveis chapéus de seda e dos humildes colarinhos em forma de fitas e dos largos fatos clericais.

Irmão Hickey.
Irmão Quad.
Irmão MacArdle.
Irmão Keogh.

A sua piedade devia ser como os seus nomes, como os seus rostos, como os seus hábitos, e era em vão que tentava convencer-se de que talvez os seus corações humildes e contritos prestassem um tributo de devoção muito mais rico do que o seu jamais fora, uma dádiva dez vezes mais aceitável do que a sua complicada adoração.





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