Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 181 / 273

Que significaria aquilo? Seria uma bizarra iluminura a abrir uma página de um livro medieval de profecias e símbolos, um homem-falcão a voar sobre o mar em direcção ao sol, uma profecia do destino que nascera para cumprir e tinha vindo a seguir através das névoas da infância e da adolescência, um símbolo do artista a forjar de novo, na sua oficina, com o barro inerte da terra, um novo ser sublime, impalpável e imperecível?

O seu coração estremeceu; a sua respiração acelerou-se e um sopro audaz perpassou pelos seus membros, como se já estivesse a voar em direcção ao sol. O seu coração fremiu num êxtase de medo e a sua alma levantou voo. A sua alma pairava nos ares por lá do mundo e sabia que o seu corpo estava purificado por um sopro e liberto da incerteza, radioso e diluído no elemento do espírito. Um êxtase de voo deu brilho aos seus olhos e agitou a sua respiração e tornou trémulos, audazes e radiosos os seus membros arrebatados pelo vento.

- Um! Dois!... Cuidado!

- Bolas, estou a afogar-me!

- Um! Dois! Três e lá vai!

- Vamos a outro! Vamos a outro!

- Um!... Zás!

- Stephaneforos! (A palavra grega Stephanoforos significa aquele que transporta uma coroa)

A garganta ardia-lhe no desejo de gritar, de lançar aos ventos o guincho do falcão ou da águia, o grito penetrante da sua libertação. Era o chamamento da sua alma à vida, não a voz monótona e grosseira dum mundo de deveres e de desespero, não a voz desumana que o chamara ao pálido serviço do altar. Um instante de voo selvagem tinha-o libertado e o grito de triunfo que os seus lábios retinham fendeu-lhe o cérebro.

- Stephanoforos!

Que eram agora, senão mortalhas arrancadas ao corpo da morte - o medo que o acompanhara de noite e de dia, a incerteza que o tinha cercado, a vergonha que o aviltara interior e exteriormente -, mortalhas, os linhos da sepultura?

A sua alma ressuscitara do túmulo da adolescência, despindo o seu sudário.





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