Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 190 / 273

Onze! Então também já estava atrasado para aquela aula. Que dia da semana seria? Parou junto duma banca de jornais para ler o cabeçalho de um jornal. Quinta-feira. Das dez às onze, inglês; das onze ao meio-dia, francês; do meio-dia à uma, física. Imaginou-se na aula de inglês e sentiu-se, mesmo àquela distância, inquieto e impotente. Viu as cabeças dos colegas docilmente inclinadas, enquanto eles anotavam nos cadernos os apontamentos que lhes haviam dito que anotassem, as definições sem interesse, definições essenciais e exemplos, ou datas de nascimentos ou de mortes, as obras principais, uma crítica favorável e uma desfavorável, lado a lado. A sua cabeça não se curvava, porque os seus pensamentos estavam longe e, quer olhasse à sua volta, para o pequeno grupo de estudantes, quer através da janela para os jardins desolados do pátio, invadia-o um odor a caves húmidas e tristes e a decomposição. Havia outra cabeça, para além da sua, mesmo à sua frente, nas primeiras cadeiras, erguendo-se acima das dos colegas curvados, como a cabeça de um sacerdote intercedendo, sem humildade, diante do tabernáculo pelos humildes fieis que o rodeavam. Porque seria que, sempre que pensava em Cranly, nunca conseguia vê-lo em corpo inteiro, mas apenas a cabeça e o rosto? Naquele momento, contra a cortina cinzenta da manhã, reviu diante de si, como um fantasma de um sonho, aquele rosto duma cabeça cortada ou duma máscara mortuária, coroado, nas fontes, pelo cabelo preto, duro e eriçado, como uma coroa de ferro. Era um rosto eclesiástico, semelhante ao dos padres na sua palidez, nas asas largas do nariz, nas sombras por baixo dos olhos e ao longo dos maxilares, eclesiástico nos lábios que eram longos e exangues e mal sorriam; e Stephen, recordando-se rapidamente de que tinha relatado a Cranly todos os tumultos e inquietações e desejos da sua alma, dia após dia e noite após noite, tendo tido como resposta apenas o silêncio atento do seu amigo, teria pensado que aquele era o rosto de um padre culpado, que escutava confissões daqueles que não tinha o poder de absolver, e sentia na memória o olhar dos seus escuros olhos femininos.





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