Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 191 / 273

Através dessa imagem, teve a visão de uma estranha e escura caverna de conjecturas, mas afastou-a imediatamente de si, achando que não era o momento de entrar nela. Mas o veneno da indiferença do seu amigo parecia estar a espalhar no ar que o circundava uma ténue e mortal exalação, e deu consigo a olhar de uma palavra casual para outra, à sua direita ou à sua esquerda, num espanto obstinado por as encontrar tão silenciosamente esvaziadas do seu sentido imediato, até o simples letreiro de uma loja prender a sua mente como as palavras de um encantamento, e a sua alma murchar, suspirando, envelhecida, enquanto ele percorria a rua entre montes de palavras mortas. A sua própria consciência da linguagem estava a abandonar o seu cérebro, vazando-se e escorrendo para as próprias palavras, que se ligavam e desligavam em ritmos Inconstantes:

A hera chora pela parede acima, Chora e entrelaça-se, parede acima, A hera amarela pela parede acima, A hera, a hera, pela parede.

Alguém ouvira já maior idiotice? Deus Todo-Poderoso! Quem já ouvira dizer que a hera chorava pelas paredes? Hera amarela, isso estava bem. O marfim amarelo também. E haveria hera cor de marfim?

A palavra brilhava agora na sua mente, mais nítida e brilhante do que o marfim serrado das presas manchadas dos elefantes. Marfim, ivoire, avo rio, ebur. Um dos primeiros exemplos que aprendera em latim dizia: India mittit ebur (a Índia exporta marfim) e recordou-se do rosto astuto do reitor que lhe ensinara a traduzir as Metamorfoses de Ovídio num inglês palaciano, onde se tornavam bizarras as referências a bácoros, cacos de barro e toucinho do lombo. Tinha aprendido o pouco que sabia das leis do verso latino num livro delapidado escrito por um padre português:

Contrahit orator, variant in carmine vates.




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