Era aquela hora da madrugada em que o vento cessa, em que a loucura desperta e estranhas plantas se abrem para a luz, e a borboleta nocturna parte no seu voo Silencioso.
Um encantamento do coração! A noite fora encantada. Num sonho ou visão, conhecera o êxtase da vida seráfica. Teria sido apenas um instante de encantamento, ou longas horas, anos, mesmo séculos?
O instante de inspiração parecia agora reflectir-se de todos os lados simultaneamente, partindo de uma multidão de circunstâncias nebulosas do que sucedera ou do que poderia ter sucedido. O instante havia cintilado como um ponto luminoso e agora, de nuvem em nuvem de vagas circunstâncias de confusa forma, ia velando suavemente o reflexo do seu esplendor. Oh! No ventre virgem da imaginação, o verbo fizera-se carne. O serafim Gabriel tinha visitado o quarto da virgem.
O reflexo brilhante intensificara-se no seu espírito, depois de ter passado a chama branca, transformando-se numa luz rósea e ardente. Essa luz rósea e ardente era o estranho e obstinado coração dela, estranho porque homem algum o conhecera ou conheceria, obstinado desde o princípio do mundo; e, fascinados por essa luz ardente e rósea, os coros dos serafins brotavam do céu.
Não te enfadam já essas ardentes vias,
Sedutora dos anjos sossobrados?
Não me recordes mais os dias encantados.
Os versos passaram-lhe da mente para os lábios e, repetindo-os, num murmúrio, sentiu perpassar neles o movimento rítmico de um vilancete. O clarão róseo expedia os seus raios de rima; vias, dias, ardor, louvor, esplendor.
Os seus raios consumiam o mundo, devoravam os corações dos homens e dos anjos: os raios da rosa que era o obstinado coração dela.
Teus olhos incendeiam meu coração sensível
E tu dele fizeste o que querias.
