Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 236 / 273

-Depois de ter anotado os versos, deixou-se cair de novo sobre a almofada encaroçada, murmurando-os de novo. Os altos da lã encaroçada por baixo da sua cabeça recordaram-lhe os caroços de crina do sofá da sala dela, no qual costumava sentar-se, sorridente ou sério, perguntando a si mesmo por que viera, descontente com ela e consigo próprio, perturbado pela imagem do Sagrado Coração, em cima do aparador vazio. Viu-a aproximar-se dele, embalando-o com a sua conversa, e pedindo-lhe que cantasse uma das suas curiosas canções. Depois, viu-se sentado ao velho piano, arrancando suaves notas das suas teclas manchadas, e cantando, no meio das conversas que haviam recomeçado na sala, enquanto ela se encostava ao lado do fogão de sala, uma delicada canção isabelina, um lamento doce e triste de despedida, o canto da vitória de Azincourt, a ária feliz de Greensleeves. Enquanto ele cantava e ela o escutava, ou fingia escutá-lo, o seu coração estava em paz, mas, quando as delicadas canções antigas haviam terminado e ele voltara a ouvir as vozes na sala, recordara-se da sua própria ironia: nesta casa, os rapazes são tratados pelo seu nome de baptismo um pouco cedo demais.

Em certos momentos, os olhos dela tinham parecido prestes a confiar-se-lhe, mas ele aguardara em vão. Ela passava agora, dançando ligeiramente na sua memória, como estivera naquela noite, no baile de Carnaval, com o vestido branco um pouco erguido, flores brancas a oscilar sobre os cabelos. Dançava, ligeira, pela sala. Vinha direita a ele, a dançar, e, ao chegar, desviara o olhar e as suas faces haviam corado levemente. Numa pausa, durante a dança de roda, a mão dela pousara na sua por um instante, leve e macia,

- Agora raramente aparece.

- Pois é, nasci para ser monge.





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