Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 252 / 273

Não na aquela a forma de pensar nela. Nem sequer era a forma por que pensava nela. Não podia, pois, confiar na sua mente? Frases antigas, cuja doçura era apenas uma doçura desenterrada, como das sementes de figo que Cranly extraía dos seus dentes brilhantes.

Não era nem o pensamento nem a visão, embora Stephen tivesse a vaga consciência de que a figura dela atravessava, naquele momento, a cidade, em direcção a casa. Sentiu o perfume do corpo dela, vagamente, primeiro, depois mais nitidamente. Um alvoroço consciente começou a fervilhar no seu sangue. Sim, era o odor do corpo dela que sentia, um odor natural e lânguido, dos seus membros tépidos sobre os quais a sua música fluíra cheia de desejo, da sua roupa interior, macia e secreta sobre a qual a carne dela destilava o seu perfume e o seu orvalho.

Um piolho subia-lhe para a nuca e, introduzindo habilmente o polegar e o indicador por baixo do colarinho largo, conseguiu apanhá-lo. Fez rolar, por um instante, o seu corpo, mole mas quebradiço como um grão de arroz, entre o polegar e o indicador, antes de o atirar fora, perguntando a si mesmo se ele deveria viver ou morrer. Veio-lhe à mente uma curiosa frase de Cornelius à Lapide, que dizia que os piolhos nascidos do suor humano não tinham sido criados por Deus com os outros animais no sexto dia. Mas o prurido da pele do pescoço exasperava-o. A vida do seu corpo, mal vestido, mal alimentado, roído pelos piolhos, fê-lo cerrar as pálpebras num súbito espasmo de desespero e, nas trevas, viu corpos brilhantes e quebradiços de piolhos a cair do céu, rolando à medida que caíam. Sim, não eram as trevas que caíam do ar. Era a claridade.

A claridade cai do ar.

Nem sequer retivera devidamente o verso de Nash.





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