Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 251 / 273

Cranly não o teria ouvido? No entanto, podia esperar. As conversas à sua volta cessaram, por um momento, e ouviu-se um assobio suave, vindo de uma das janelas de cima. Mas não havia qualquer outro som e as andorinhas, cujo voo acompanhara com um olhar distraído, estavam agora a dormir.

Ela tinha passado através do crepúsculo. E, por isso, o ar estava silencioso, com excepção do assobio suave vindo de cima. E, por isso, as línguas à sua volta tinham cessado de tagarelar. As trevas t'ahm.

As trevas caem do ar.

Uma alegria trémula, ligeira como uma débil luz, dançou à sua volta como um bando de fadas. Porque não? A passagem dela através do ar que escurecia ou o verso com as suas vogais negras e o seu som inicial, rico e musical?

Afastou-se lentamente, em direcção às sombras mais profundas no final da colunata, batendo suavemente na pedra com a bengala, para que os colegas que acabava de deixar não se apercebessem do seu devaneio; e permitiu ao seu pensamento que evocasse os tempos de Dowland, de Byrd e de Nash.

Olhos, acordando nas trevas do desejo, olhos que faziam empalidecer o sol que nascia a oriente. A sua lânguida graça não seria mais do que a brandura da luxúria? E o seu brilho seria apenas uma cintilação da espuma que ocultava a cloaca da corte de um Stuart baboso? E saboreou, na linguagem da memória, vinhos cor' de âmbar, cadências agonizantes de suaves árias. E viu, com os olhos da memória, as gentis damas de Covent Garden, cortejadas nas suas varandas, chupando as faces, e criadas bexigosas das tabernas, e as jovens esposas que, entregando-se alegremente aos seus amantes, enganavam os esposos vezes sem conta.

As imagens que evocara não lhe trouxeram prazer. Eram secretas e ardentes, mas a imagem dela não se aliava a elas.





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