Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 260 / 273

- Estudante de Medicina, remador, tenor, actor amador, político exaltado, pequeno proprietário, pequeno investidor, bebedor, bom sujeito, contador de histórias, secretário não sei de quem, qualquer coisa numa destilaria, cobrador de impostos, falido e, actualmente, glorificador do seu passado,

Cranly riu-se, apertando mais o braço de Stephen, e disse:

- Essa da destilaria é muito boa.

- Há mais alguma coisa que queiras saber? - perguntou Stephen.

- Actualmente estão em boa situação?

- Dou essa impressão? - perguntou Stephen desabridamente.

- Nesse caso - prosseguiu Cranly pensativamente -, nasceste num berço de ouro.

Utilizou a frase de maneira geral e em voz muito alta, como costumava usar as expressões técnicas, como se pretendesse que o seu interlocutor percebesse que as utilizava sem convicção.

- A tua mãe deve ter sofrido muito - disse ele então. - Não gostarias de tentar poupar-lhe maiores sofrimentos mesmo que... ou preferes não o fazer?

- Se pudesse - disse Stephen -, isso custar-me-ia muito pouco.

- Então fá-lo - disse Cranly. - Faz o que ela deseja que tu faças. O que te custa? Tu não acreditas. É uma fórmula, nada mais. E tranquilizarias o seu espírito.

Calou-se e, como Stephen não respondesse, permaneceu em silêncio. Depois, como se desse voz ao processo dos seus próprios pensamentos, disse:

- Por mais inseguro que seja tudo nesta esterqueira fétida que é o mundo, o amor de uma mãe não o é. A nossa mãe traz-nos ao mundo, transporta-nos primeiro no seu corpo. Que sabemos acerca do que ela sente? Mas, sinta o que sentir, isso é, pelo menos, real. Tem de ser. Que são as nossas ideias ou ambições? Diz lá. Ideias! Pois se até aquela maldita cabra balidora do Temple tem ideias.





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