Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 261 / 273

O MacCann também tem ideias. Qualquer burro que anda por aí julga que tem ideias.

Stephen, que tinha estado à escuta do discurso silencioso por trás das palavras, disse com pretensa despreocupação:

- Pascal, se bem me lembro, não suportava que a mãe o beijasse pois receava o contacto com o seu sexo.

- Pascal era um porco - disse Cranly.

- Luís Gonzaga, penso eu, era da mesma opinião - disse

Stephen.

- Então, também era um porco - disse Cranly.

- A Igreja chama-lhe santo - objectou Stephen.

- É-me absolutamente indiferente o que os outros lhe chamam - disse Cranly, grosseira e redondamente. - Eu chamo-lhe porco.

Stephen, alinhando as palavras cuidadosamente na sua mente, prosseguiu:

- Também Jesus parece ter tratado a sua mãe com fraca cortesia em público, mas Suárez, um teólogo jesuíta e um fidalgo espanhol, defendeu-o.

- Já alguma vez te ocorreu a ideia - inquiriu Cranly - de que Jesus não era aquilo que parecia ser?

- A primeira pessoa a quem essa ideia ocorreu - respondeu Stephen - foi ao próprio Jesus.

- Quero eu dizer - observou Cranly, endurecendo o tom de voz -, se já alguma vez te ocorreu a ideia de ele ser um hipócrita consciente, aquilo que ele chamou aos judeus do seu tempo, um sepulcro caiado? Ou, para ser mais explícito, que ele fosse um charlatão?

- Nunca me ocorreu essa ideia - respondeu Stephen. Mas sinto curiosidade em saber se estás a tentar converter-me ou a perverter-te a ti próprio.

Fitou o rosto do amigo e encontrou nele um sorriso frio que alguma força de vontade conseguiu tornar subtilmente significativo.

Cranly perguntou subitamente num tom simples e sensível:

- Diz-me a verdade. Ficaste chocado com o que eu disse?

- Um pouco - respondeu Stephen,

- E por que motivo ficaste chocado - insistiu Cranly no mesmo tom - se tens a certeza de que a nossa religião é falsa e Jesus não era filho de Deus?

- Não tenho certeza nenhuma disso - disse Stephen.





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