Por trás de uma sebe de loureiro, brilhava luz na janela de uma cozinha e ouviu-se a voz de uma criada que cantava, enquanto afiava as facas. Cantava ela, em compassos curtos e irregulares:
- Rosie O'Grady.
Cranly deteve-se a escutar e disse:
- Mulier cantat (uma mulher canta).
A beleza suave do termo latino tocou, de uma forma encantada, as trevas da noite, com um toque mais suave e mais convincente do que o toque da música ou de uma mão feminina. A disputa dos seus espíritos apagou-se. A figura de uma mulher, tal como aparece na liturgia da Igreja, passou silenciosamente no meio das trevas: uma figura de túnica branca, pequena e esguia como um rapaz, e com uma cinta pendente. Escutou a sua voz, frágil e alta como a de um adolescente, entoando, num coro distante, as primeiras palavras de uma mulher que rompem a sombra e o clamor do primeiro cântico da paixão:
Et tu com Jesu Galileo eras. (também tu estavas com Jesus de Galileia)
?
E todos os corações foram tocados e escutaram a sua voz, cintilante como uma estrela nova, brilhando mais quando a voz entoava os proparoxítonos e mais fracamente à medida que a cadência morria.
O canto cessou. Eles continuaram a caminhar juntos, enquanto Cranly repetia, num ritmo fortemente marcado, o final do refrão:
E quando estivermos casados
Vamos ser muito felizes
Porque Rosie O'Grady ama-me
E eu amo a Rosie O'Grady.
- Isto é que é poesia - disse ele. - Sente-se o verdadeiro amor.
Olhou obliquamente para Stephen com um estranho sorriso, e disse:
- Consideras isto poesia? Ou sabes o que estas palavras significam?
- Preciso de ver a Rosie primeiro - disse Stephen.
- É fácil de encontrar - disse Cranly.