Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 41 / 273

Gleeson usava punhos engomados e brilhantes e tinha uns pulsos brancos e limpos e umas mãos brancas e gorduchas, com unhas longas e pontiagudas. Talvez as aparasse, como Lady Boyle. Mas eram umas unhas terrivelmente longas e pontiagudas. Eram longas e cruéis, embora as mãos brancas e gorduchas não fossem cruéis, mas gentis. E, embora ele estremecesse de frio e de medo ao pensar naquelas longas unhas cruéis e no som silvante da bengala e no frio que se sentia, ao fundo da camisa, quando se despiam as calças, experimentou dentro de si um curioso prazer tranquilo, ao pensar nas mãos brancas e gorduchas, limpas, fortes e gentis. E lembrou-se do que Cecil Thunder tinha dito: que Mr. Gleeson não açoitaria Corrigan com força. E Fleming tinha acrescentado que seria do seu interesse não o fazer. Mas não devia ser por isso.

Uma voz gritou ao fundo do recreio:

- Todos para dentro!

E outras vozes exclamaram:

- Todos para dentro! Todos para dentro!

Durante a aula de caligrafia, ficou sentado, com os braços cruzados, escutando o lento raspar dos aparos no papel. Mr. Harford andava de um lado para o outro, fazendo pequenas marcas com lápis vermelho e, por vezes, sentando-se ao lado de um rapaz, para lhe mostrar como devia segurar na caneta. Ele tentara soletrar o título, embora já o conhecesse, porque era o último do livro. «O zelo sem prudência é como um navio à deriva.» Mas as linhas de letras pareciam-lhe finos fios invisíveis e só fechando muito bem o olho direito e abrindo o esquerdo conseguia distinguir as curvas cheias da maiúscula.

Mas Mr. Harford era uma pessoa muito simpática e nunca se zangava. Todos os outros professores tinham fúrias terríveis. Mas por que haveriam eles de sofrer pelo que os mais velhos tinham feito? Wells dissera que eles tinham bebido o vinho da missa que estava no armário da sacristia e que tinham descoberto quem o fizera pelo cheiro.





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