Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 49 / 273

- Dar palmatoadas a um aluno por uma coisa de que ele não teve culpa.

- Os teus óculos partiram-se mesmo por acidente, não foi? - perguntou o Rache Repugnante.

Stephen sentiu o coração reconfortado com as palavras de Fleming e não lhe respondeu.

- É claro que foi! - disse Fleming, - Eu não me ficava. Eu ia queixar-me dele ao reitor.

- Isso - disse Cecil Thunder vivamente - e eu vi-o levantar a palmatória acima do ombro, o que não é permitido.

- Doeu-te muito? - perguntou o Rache Repugnante.

- Muito - disse Stephen.

- Eu não me ficava - repetiu Fleming - nem com o Careca nem com qualquer outro Careca. Foi uma coisa indecente e desprezível, foi o que foi. Eu ia direito ao reitor e contava-lhe tudo, depois do jantar.

- Faz isso. Faz isso - disse Cecil Thunder.

- Sim, faz isso. Vai lá acima e queixa-te ao reitor, Dedalus - disse o Rache Repugnante -, porque ele disse que voltava lá amanhã e te dava palmatoadas outra vez.

- Isso, isso. Queixa-te ao reitor - disseram todos.

E estavam presentes alguns rapazes do segundo e um deles disse:

- O senado e o povo de Roma declaram que Dedalus foi injustamente castigado.

Tinha sido errado; tinha sido injusto e cruel; e, sentado no refeitório, sofreu vezes sem conta, na sua memória, a mesma humilhação, até começar a pensar se haveria realmente algo no seu rosto que o fazia parecer mentiroso, e desejou ter um pequeno espelho onde pudesse ver-se. Mas não podia haver, e tinha sido indecente e cruel e injusto.

Não conseguia comer o peixe frito enegrecido que lhe davam às quartas-feiras, na Quaresma, e uma das suas batatas tinha a marca da enxada. Sim, ia fazer o que os rapazes lhe tinham dito. Iria lá acima contar ao reitor que tinha sido injustamente punido.





Os capítulos deste livro