Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 48 / 273

A sua voz era muito gentil e muito suave. Quando regressou ao seu lugar, disse a Fleming e a Stephen:

- Podem voltar para as vossas carteiras, ambos.

Fleming e Stephen levantaram-se e, dirigindo-se aos seus lugares, sentaram-se. Stephen, corado de vergonha, abriu rapidamente um livro com uma mão trémula e inclinou-se sobre ele, com o rosto perto da página.

Era injusto e cruel, porque o médico lhe tinha dito que não lesse sem óculos e ele tinha escrito nessa manhã ao pai, para que lhe mandasse um novo par. E o padre Arnall tinha dito que ele não precisava de estudar até os novos óculos chegarem. E ser chamado mentiroso perante a turma e levar palmatoadas, quando tinha sempre direito ao cartão do primeiro ou do segundo lugares e era o chefe dos defensores de York! Como podia o prefeito dos estudos afirmar que era uma desculpa? Sentiu o toque dos dedos do prefeito, ao endireitar-lhe a mão, e, a princípio, tinha pensado que ele ia apertar-lhe a mão, porque os seus dedos eram macios e firmes; mas, no momento seguinte, escutara o roçagar da manga da sotaina e a pancada. Era cruel e injusto fazê-lo ajoelhar no meio da aula, depois disso; e o padre Arnall tinha dito a ambos que podiam regressar aos seus lugares, sem fazer qualquer diferença entre eles. Escutou a voz baixa e gentil do padre Arnall, a corrigir os exercícios. Talvez agora sentisse pena e quisesse ser amável. Mas era injusto e cruel. O prefeito dos estudos era um padre, mas aquilo tinha sido injusto e cruel. E o seu rosto pardacento e os olhos sem cor por trás dos óculos de aros de aço eram cruéis, porque ele lhe tinha primeiro endireitado a mão com os seus dedos firmes e macios, só para o atingir melhor e com um ruído mais forte.

- Foi uma coisa indecente e desprezível- disse Fleming no corredor, quando as turmas seguiam em fila para o refeitório.





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