- Confessa! - repetiu Heron, batendo-lhe novamente com a bengala na barriga da perna.
A pancada tinha sido dada por brincadeira, mas não fora tão leve como a primeira. Stephen sentiu um léve formigueiro e a pele arder levemente, de forma quase indolor; e.icurvando-se, com um ar submisso, como para acompanhar a brincadeira do companheiro, começou a recitar o Confiteor. O episódio terminou bem, porque tanto Heron como Wallis se riram indulgentemente da irreverência.
A confissão saía apenas dos lábios de Stephen e, enquanto pronunciava as palavras, uma súbita recordação transportara-o para outro lugar, como por magia, no momento em que notara as pregas levemente cruéis nos cantos dos lábios sorridentes de Heron e sentira a pancada bem conhecida da bengala na sua perna e escutara a palavra de advertência tão bem conhecida.
-Confessa.
Tinha sido perto do final do primeiro período, no colégio, quando já estava na sexta classe. A sua natureza sensível continuava a sofrer sob os açoites de uma existência monótona e sórdida. A sua alma continuava inquieta e deprimida pelo fenómeno embotador de Dublim. Tinha emergido de um período de dois anos de devaneios e dera consigo no meio de um novo cenário, em que todos os acontecimentos e figuras o afectavam intimamente, o deprimiam ou atraíam, e, quer o deprimissem ou o atraíssem, o enchiam sempre de inquietação e de amargos pensamentos. Todos os períodos livres da escola eram passados na companhia de escritores subversivos, cujos sarcasmos e cujo discurso violento fermentavam no seu cérebro antes de dele passarem aos seus ingénuos escritos.
O ensaio literário era, para ele, o trabalho principal da semana e, todas as terças-feiras, quando saía de casa para ir para o liceu, lia o seu destino nos incidentes do percurso, fixando uma figura que seguia à sua frente e apressando o passo para a ultrapassar antes de atingir um determinado ponto, ou pousando escrupulosamente os pés nas lages do passeio e dizendo para si mesmo que seria ou não seria o primeiro no ensaio da semana.
