Numa certa terça-feira, o curso dos seus triunfos foi brutalmente interrompido. Mr. Tate, o professor de inglês, apontou-o com um dedo e disse bruscamente:
- Há heresia no ensaio deste aluno.
Fez-se silêncio na sala de aula. Mr. Tate não o interrompeu, mergulhando a mão entre as coxas, enquanto a camisa fortemente engomada estalava em volta do pescoço e nos punhos. Stephen não ergueu o olhar. Era uma manhã fria de Primavera e ainda sentia os olhos a arder e a vista fraca. Tomou consciência do fracasso e da detecção, da sordidez da sua mente e da sua casa, e sentiu contra o pescoço a dobra hirta do colarinho voltado e poido.
Uma curta risada aguda de Mr. Tate pôs a classe mais à vontade.
- Talvez não tenha dado por isso - disse ele.
- Onde? - perguntou Stephen. Mr. Tate retirou a mão introduzida entre as pernas e abriu o trabalho.
- Aqui. É acerca do Criador e da alma. Hum... Hum...
Hum... Ah, é aqui! «Sem uma possibilidade de jamais se aproximar.» Isto é heresia.
Stephen murmurou:
- Eu queria dizer «sem uma possibilidade de alcançar».
Era uma submissão e Mr. Tate, tranquilizado, fechou o caderno e entregou-lho, dizendo:
- Oh... «sem uma possibilidade de alcançar». Isso já é outra história.
Mas a turma não se acalmou tão depressa. Embora ninguém lhe falasse do caso depois da aula, sentia à sua volta uma vaga e malévola alegria geral.
Algumas noites após a sua reprimenda em público, seguia, com uma carta na mão, pela Drumcondra Road, quando ouviu uma voz gritar:
- Alto!
Voltou-se e viu três rapazes da sua turma que avançavam para ele, no escuro. Tinha sido Heron a chamá-lo e, à medida que avançava entre os seus dois acólitos, feria o ar com uma bengala fina, ao ritmo dos seus passos.