Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 81 / 273

Lutando para se libertar e dando pontapés sob os golpes da bengala e do pé de couve, Stephen foi forçado a encostar-se a uma vedação de arame farpado.

- Confessa que Byron não prestava.

- Não.

- Confessa.

- Não.

- Confessa.

- Não. Não.

Finalmente, após esforços furiosos, conseguiu desembaraçar-se deles. Os seus carrascos correram na direcção da Jones's Road, rindo e troçando dele, enquanto Stephen, meio cego pelas lágrimas, seguia em frente, apertando furiosamente os punhos e soluçando.

Enquanto ainda estava a recitar o Confiteor, entre as risadas indulgentes dos seus ouvintes, e enquanto as cenas daquele malfadado episódio continuavam a passar nítida e rapidamente pela sua mente, perguntou a si mesmo por que motivo não guardava rancor contra quem o tinha atormentado. Não esquecera nem um pormenor da cobardia e crueldade deles, mas a recordação já não lhe provocava ira. Por isso lhe tinham parecido irreais todas as descrições de ferozes amores e ódios que encontrara nos livros. Mesmo naquela noite, ao cambalear para casa, ao longo da Jones's Road, sentira que uma força qualquer o estava a despojar daquela ira súbita, tão facilmente como o fruto é despojado da sua casca madura e macia.

Continuou junto dos seus dois companheiros, no extremo do telheiro, escutando distraidamente a sua conversa ou os aplausos que provinham do teatro. Ela estava lá, sentada entre as outras pessoas, talvez à espera de que ele aparecesse. Tentou recordar-se do aspecto dela, mas não conseguiu. Só se recordava de que ela tinha posto um xaile sobre a cabeça, como um capuz, e que os seus olhos escuros o tinham convidado e enervado. Gostaria de saber se ela teria pensado tanto nele como ele nela. Depois, na escuridão, sem que os outros o vissem, pousou as pontas dos dedos de uma' mão sobre a palma da outra, mal a tocando.





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